16 de novembro de 2003

O canalizador da Dra. Manuela Ferreira Leite

Tinha que ser, logo hoje. Como as febres dos filhos pequenos que lhes chegam sempre aos fins de semana. Quando o pediatra assistente não responde de nenhuma das moradas que se lhe conhecem nem atende nenhum dos telefones que não está classificado como confidencial. Logo de manhã, a pinga na torneira do bidé. Contínua, grossa, frequente, a encharcar o chão da casa de banho, a ir por aí fora como um pequeno rio, invadindo o corredor. E agora? Domingo, toda a gente na cama até mais tarde, dia de descanso, erguer apenas a tempo de tomar o banho da ordem, ir à missa das onze e seguir directamente para o restaurante do costume. Mas há coisas providenciais, graças a Deus! Então a Dra Manuela Ferreira Leite não me ajuda? Ela, o seu anúncio na rádio e o canalizador que a apoia – sim, também politicamente!

Telefonei. Era um número qualquer daqueles que começa por oito e qualquer coisa, é apenas o custo de uma chamada local, ao domingo ainda é mais barato, nem se vai notar na conta do telefone. Atendeu-me uma gaja melosa, com uma voz que parecia estar a falar-me de Cabo Verde, a dizer que a minha chamada estava em lista de espera, que aguardasse até ser atendido. Disse-lhe que o meu problema não era ser internado em nenhum dos hospitais do ministro da saúde, que não precisava de ser operado e que, sendo assim, não precisava da lista de espera para nada. E que precisasse! Disse-lhe ainda você deve estar enganada, não anda a par do que se passa, já não há listas de espera nem para ser operado. O ministro ainda a semana passada gastou uma porrada de massa a dizê-lo em anúncios nos jornais que, segundo me consta, foram muito apreciados por todos os analfabetos do país. Nenhum escreveu a dizer que não percebia como podia estar há cinco anos à espera de ser operado a uma apendicite e nada.

A fulana calou-se, deixou-me falar, não esperou que eu lhe pendurasse no telefone todos os argumentos que queria, interrompeu-me antes de ter acabado, com a mesma lenga-lenga do início. Devia pensar que eu era surdo! Mas, ao menos, foi razoavelmente educada, deu-me tempo a que dissesse alguma coisa. Muito mais do que os deputados nos programas de televisão ou nas sessões da assembleia, onde falam todos ao mesmo tempo para não dizer nada. Ainda me lembro do Dr. Sousa Tavares – não, o do Porto não, o pai, o pai! – ter mandado calar um deles que o interrompia. De uma maneira que até o cardeal Cerejeira e o bispo do Porto – sim, mesmo mortos! – coraram. E até o Dr. Mota Amaral, que ainda aí está e promete continuar, quando se lembra benze-se disfarçadamente e reza um padre nosso por entre dentes, muito a correr, como se estivesse a gravar um anúncio a dizer os preços dos automóveis.

Depois a conversa mudou. Rapidamente, era domingo e só tinham passado vinte minutos. Se quiser ser atendido hoje carregue um, se quiser ser atendido na segunda-feira carregue dois, ..., se não quiser ser atendido carregue zero. Desatento, fui lento de mais a perceber e a agir. A conversa recomeçou e, prevenido, carreguei no um. Rápido e com força. Por dez vezes ouvi de novo o sinal de chamada, até que uma outra voz me atendesse.

Bom dia. Canalizadores associados, fala Sónia Andreia, em que posso ajudar? Contei-lhe a minha história, a torneira avariada, o corredor transformado em rio, desnivelado, a água a sair por debaixo da porta. Perguntou-me a morada e quando acabei de lha dizer perguntou-me, agreste, onde fica isso. Expliquei-lhe e perguntou-me se era em Santiago do Cacém. No Porto, menina, no Porto, então de onde me atende? Atendo-o de Fornos de Algodres, onde funciona o nosso “call center”, como quer que eu adivinhe onde está? Vou contactar o nosso técnico e ele irá resolver o problema. Mais alguma coisa? Respondi que não e desliguei quando ela ensaiava nova salvé raínha como se fosse o Simão Sabrosa a declamar a Ode Marítima. Capaz de ressuscitar o Fernando Pessoa com fígado e tudo, apesar do bagaço.

Quando me tocaram à porta da rua, atendi. O homem subiu, fato-macaco de ganga azul cheirando a lavado, boné do Benfica na cabeça, - não fosse a raça e a lesão no joelho e até parecia o Pedro Mantorras - um saco de viagem a tiracolo. Quando me chegou à porta do apartamento perguntei-lhe o nome, há quantos anos trabalhava nisto, que tal era a Dra. Manuela como patroa, se lhe pagava as horas extraordinárias ou se era como os bancos. As respostas, naturalmente, já vocês as sabem todas, e deixei-o entrar.

Fez o trabalho com o requinte de quem saboreia um petisco de nome esquisito, como os que servem nas festas que a Cinha Jardim organiza para o Paulo Portas, lá no forte de S. Julião. Demorou! Depois, sim senhor, passou-me a factura: seis contos pela deslocação, outros seis pela mão de obra e mais três por uma bucha de plástico que meteu na torneira: ao todo quinze contos. Que desculpasse não ser em euros, mas não tinha trazido a tabela de conversão e a patroa também não levava a mal: queria era a massa e certa, que se não enganasse nos trocos. Ah! quase lhe passava, mais dezanove por cento de Iva, é claro.

É que pagando todos, todos ganham porque pagam menos. E sacou-me mais quase outros três contos deixando-me na mão um papel que não serve para nada, nem para isso. Agora vou passar o resto do domingo a limpar a água do chão e as pegadas que o homem deixou espalhadas por todos os cantos. A pensar como é que tendo pedido a factura e tendo pago mais eu vou lucrar logo de seguida e pagar menos.

Como não acredito que encontre resposta depois amanhã, que é segunda-feira, telefono à ministra para me explicar, que é para isso que ela serve. Se estiver ocupada que passem a questão a um assessor qualquer, se este ainda não tiver sido nomeado director de jornal nenhum. Ah!, e se me souber responder não é?

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