O ministro Portas vai à missa do galo
Sexta-feira, seis e meia da tarde nos corredores alcatifados do Ministério da Defesa. As secretárias arrumam as bugigangas pessoais nas carteiras, sacodem as roupas, ajeitam o cabelo, retocam a pintura dos lábios. Já foram às casas de banho e dentro de minutos estarão na rua para o fim de semana. Os assessores, muitos, cada vez mais, enfatiados e enfatuados, seguram entre os dedos as chaves dos BMW de serviço, certificam-se de que têm na carteira o cartão Galp Frota e de que os cartões de crédito estão dentro do prazo. O ministro! Sempre em mangas de camisa, o casaco pendurado no bengaleiro, a bandeira nacional atrás de si, sentado à secretária a olhar para ontem, tamborilando o tampo com as pontas dos dedos. Tem uma ideia assim, de repente, sem justificação, como se fosse de inspiração divina. Chama a ordenança que se mantem no corredor, frente à porta, aguardando.
Diz-lhe: vai chamar o senhor assessor especial para as questões de logística nas deslocações do ministro ao interior do país no mês de Dezembro. O soldado - ou civil, isto é uma peluda do caraças! - retorquiu tremendo quase como o mostrengo de Fernando Pessoa: V. Exa. desculpe mas não percebi quem devo chamar. O ministro abreviou, foi mais directo: vai chamar o Dr. Joaquim, porra! Apercebeu-se do excesso, ele, educado num colégio de padres, com a comunhão solene feita, parecia impossível. Pôs-se de pé e balbuciou: Nossa Senhora de Fátima me valha e Nosso Senhor Jesus Cristo me perdoe. Benzeu-se e rezou um Padre Nosso, voltando a sentar-se.
O assessor chegou à porta e bateu, parou de bufar, ajeitou a gravata, passou um dedo com saliva por uma pequena mancha no sapato do pé direito, pediu licença para entrar. Sim, entra! Antes de mais, quem teve a ideia de te atribuir um cargo com um nome que, se fosse em verso, era pelo menos uma estrofe dos Lusíadas? Mas foi V. Exa. com a sua imaginação e o seu rigor. Está bem, já me lembro. Para te pagar o que te pago não te podia chamar servente pois não? E riu-se! Olha, tive uma ideia, nós não podemos nunca descurar a vigilância em relação ao combate político. Aquele anormal do Monteiro quase parece pastor, a arremessar pedras para tudo o que é lado, agora que é novamente presidente nem ele sabe bem de quê. Ainda há-de partir as telhas da sua própria casa, pena é que isso tarde tanto, Deus me perdoe.
Devem ser aproveitadas as épocas de maior impacto para aparecer no palco. Nunca me viste ir ao mercado aos domingos, quando eles estão fechados e as peixeiras na missa a rezar pelas necessidades que têm. E vê lá se não foi no dia de acção de graças que o George foi a Bagdade, aparecendo a transportar a travessa com o perú de plástico. E agora o nosso emplastro da administração interna, até ele foi ao Iraque, carregando cagaço, bacalhau e bolo rei. Portanto eu já decidi e vou à missa do galo, mas quero ir à província.
O assessor curvou-se mais, abriu um sorriso concordante e submisso de orelha a orelha, parecia o Sr José Rodrigues dos Santos, e disse certo e entendido: ah! V. Exa. quer ir à missa do galo ao Porto. Está bem, podemos ir de avião, levamos um Falcon, assistimos à missa - que não deve ser muito longa porque também o padre terá os seus compromissos - e regressamos à capital. Consoamos um pouco mais tarde mas até o bacalhau e as couves marcham com mais vontade. Com um vinhito do Roquete...
O ministro retorquiu. Vê-se logo porque é que eu é que sou ministro. O interior é o interior, estúpido. O Porto é província, claro. Povoado por gajos com a mania que são urbanos, que sabem falar, que têm importância. Mas nunca lhes digas a eles que são saloios, que são provincianos. Mas neste caso quero ir ao interior, a uma freguesia qualquer, onde o nosso partido tenha ganho as eleições por causa da contestaçãp. Se bem que não deva aparecer ninguém que tenha trocado o empanzinanço pelo frio da noite. Mas a estupidez chega às vezes onde menos se espera e quase sempre quando menos se conta. Trata do apoio logístico para a deslocação, uma coisa mais aligeirada do que é costume. Chega meia dúzia de batedores, uma dúzia de seguranças, outra meia dúzia de assessores, três secretárias, o chefe de gabinete e o pessoal que ele determinar, quatro contínuos. Quanto ao destino, é segredo, é o meu Iraque e só o revelo no momento da partida. A Sra. D. Cinha viajará comigo, estou até a pensar em nomeá-la assessora uma vez que nem sequer é já necessária aquela formalidade irracional do concurso público. Não sei é de quê, tantas e tão variadas são as suas capacidades.
Arranja-me um automóvel de jeito, Jaguar não ficava mal, mas não quero de cor verde. Livra-te de me pores à disposição uma lata como aquela que comprou o tio do sobrinho da Suiça, em segunda mão, a cair de podre e a precisar logo de reparações de milhares de contos.
Diz-lhe: vai chamar o senhor assessor especial para as questões de logística nas deslocações do ministro ao interior do país no mês de Dezembro. O soldado - ou civil, isto é uma peluda do caraças! - retorquiu tremendo quase como o mostrengo de Fernando Pessoa: V. Exa. desculpe mas não percebi quem devo chamar. O ministro abreviou, foi mais directo: vai chamar o Dr. Joaquim, porra! Apercebeu-se do excesso, ele, educado num colégio de padres, com a comunhão solene feita, parecia impossível. Pôs-se de pé e balbuciou: Nossa Senhora de Fátima me valha e Nosso Senhor Jesus Cristo me perdoe. Benzeu-se e rezou um Padre Nosso, voltando a sentar-se.
O assessor chegou à porta e bateu, parou de bufar, ajeitou a gravata, passou um dedo com saliva por uma pequena mancha no sapato do pé direito, pediu licença para entrar. Sim, entra! Antes de mais, quem teve a ideia de te atribuir um cargo com um nome que, se fosse em verso, era pelo menos uma estrofe dos Lusíadas? Mas foi V. Exa. com a sua imaginação e o seu rigor. Está bem, já me lembro. Para te pagar o que te pago não te podia chamar servente pois não? E riu-se! Olha, tive uma ideia, nós não podemos nunca descurar a vigilância em relação ao combate político. Aquele anormal do Monteiro quase parece pastor, a arremessar pedras para tudo o que é lado, agora que é novamente presidente nem ele sabe bem de quê. Ainda há-de partir as telhas da sua própria casa, pena é que isso tarde tanto, Deus me perdoe.
Devem ser aproveitadas as épocas de maior impacto para aparecer no palco. Nunca me viste ir ao mercado aos domingos, quando eles estão fechados e as peixeiras na missa a rezar pelas necessidades que têm. E vê lá se não foi no dia de acção de graças que o George foi a Bagdade, aparecendo a transportar a travessa com o perú de plástico. E agora o nosso emplastro da administração interna, até ele foi ao Iraque, carregando cagaço, bacalhau e bolo rei. Portanto eu já decidi e vou à missa do galo, mas quero ir à província.
O assessor curvou-se mais, abriu um sorriso concordante e submisso de orelha a orelha, parecia o Sr José Rodrigues dos Santos, e disse certo e entendido: ah! V. Exa. quer ir à missa do galo ao Porto. Está bem, podemos ir de avião, levamos um Falcon, assistimos à missa - que não deve ser muito longa porque também o padre terá os seus compromissos - e regressamos à capital. Consoamos um pouco mais tarde mas até o bacalhau e as couves marcham com mais vontade. Com um vinhito do Roquete...
O ministro retorquiu. Vê-se logo porque é que eu é que sou ministro. O interior é o interior, estúpido. O Porto é província, claro. Povoado por gajos com a mania que são urbanos, que sabem falar, que têm importância. Mas nunca lhes digas a eles que são saloios, que são provincianos. Mas neste caso quero ir ao interior, a uma freguesia qualquer, onde o nosso partido tenha ganho as eleições por causa da contestaçãp. Se bem que não deva aparecer ninguém que tenha trocado o empanzinanço pelo frio da noite. Mas a estupidez chega às vezes onde menos se espera e quase sempre quando menos se conta. Trata do apoio logístico para a deslocação, uma coisa mais aligeirada do que é costume. Chega meia dúzia de batedores, uma dúzia de seguranças, outra meia dúzia de assessores, três secretárias, o chefe de gabinete e o pessoal que ele determinar, quatro contínuos. Quanto ao destino, é segredo, é o meu Iraque e só o revelo no momento da partida. A Sra. D. Cinha viajará comigo, estou até a pensar em nomeá-la assessora uma vez que nem sequer é já necessária aquela formalidade irracional do concurso público. Não sei é de quê, tantas e tão variadas são as suas capacidades.
Arranja-me um automóvel de jeito, Jaguar não ficava mal, mas não quero de cor verde. Livra-te de me pores à disposição uma lata como aquela que comprou o tio do sobrinho da Suiça, em segunda mão, a cair de podre e a precisar logo de reparações de milhares de contos.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial