5 de dezembro de 2003

Que raio fazem eles aos passageiros?

Ouço às primeiras horas desta manhã, com uma luzinha ténue ainda mal despontando a oriente e quando estremunhado pelo som polifónico e irritante do despertador me esforço por de facto acordar, que os cacilheiros perdem, diariamente, seis mil passageiros. Primeiro fico na dúvida se terei percebido bem ou se, pouco mais acordado do que eu, o leitor da notícia terá realmente lido o que estava escrito.

Depois, como se sabe, o sono distorce a realidade e fomenta a imaginação subconsciente. Acabo por mais absurdo que possa parecer a concluir que esses seis mil passageiros são perdidos no percurso entre as duas margens. Tanta gente, como pode isso acontecer? Em cada dia um pavilhão do Atlântico cheio, como em dia de concerto dos Rolling Stones, e sem ninguém dar por isso a não ser a empresa concessionária. Tanta gente caída à água, mesmo sem coletes de salvação, haveria de deixar a boiar objectos desinteressantes de uso pessoal. Alguns haveriam ainda de dar um último grito, esbracejar, estender as mãos para o Cristo Rei numa súplica derradeira. Esquisito ainda que as famílias se não queixem e que os corpos, mesmo rapidamente levados pela voragem da corrente do rio, não venham depois a dar à costa para os lados da Ericeira. Nada!

Um pouco mais desperto, que não de todo, dou por mim a pensar que o desemprego é como o sofrimento dos pobres: não para de crescer. E quero acreditar que os desempregados não precisam de transporte que os leve ao local de trabalho, para mal já estão onde estão. Ficam em casa. A concessionária é que não demorará a queixar-se da crise, da diminuição das receitas, da inevitabilidade de despedir pessoal e da necessidade de apoios e de subsídios. Nessa altura, vigilantemente atentos, lá estarão nos seus postos o Dr Bagão Félix e a Dra Manuela Leite. Para sancionarem as disposições que permitam os despedimentos e as que facilitem a concessão dos subsídios reclamados. Tudo a bem do interesse nacional, de que tanto falam os nossos governantes.

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