A histórica normalidade do país virtuoso e do IP-3
Uma das virtudes dos regimes democráticos, escreve muitas vezes o Sr José Manuel Fernandes, que já podia ter mandado cópias traduzidas ao governador geral das terras do tio Sam, é o pluralismo. O pluralismo assegura, à partida, que a nossa opinião pode ser emitida, será ouvida e, se nos deixarem, será a única. Como não deixam, acontece exactamente o inverso, ou quase. Podemos emitir a nossa opinião desde que ninguém a ouça ou veja ou a difunda.
Isto para dizer que, para garantir o pluralismo em termos de informação que eu próprio recolho, leio de tudo. Olho para os títulos de todos os jornais nos expositores dos quiosques e, uma vez por outra, compro um ou outro que nem sequer sei folhear. Apenas para me assegurar que o país funciona, que o segredo de justiça está garantido e que o Dr Alberto João prossegue na sua luta titânica pela independência das ilhas.
Um desses jornais tem hoje um título de primeira página perfeitamente tranquilizador: Abuso nas contas do IP3. No texto, nas páginas interiores, diz-se que foram construídos, no tempo perfeitamente recorde de vinte anos, nada menos que 158 quilómetros ao preço unitário, absolutamente de saldo, de 700 mil contos. A evolução da obra tem corrido tão bem que já só falta construir 116 quilómetros que, a manter-se o ritmo da construção dos anteriores, deverão estar prontos ainda antes do ano de 2020. A construção concluída revelou-se um sucesso em todos os aspectos e em todos os vinte anos já decorridos, gerando o consenso político tão raro na nossa sociedade. Nenhum governo até agora, e foram vários, classificou a obra como sendo uma inqualificável herança do passado e dos governos anteriores. Paralelamente todos eles, desde o professor Cavaco, tiveram a oportunidade de visitar as obras com um capacete amarela enfiado na cabeça e de inaugurar vários bocados mais do que uma vez, com o trânsito cortado e sem necessidade de batedores da polícia a enxutar os mirones.
Como se este quinhão de sucesso ainda não bastasse aquele itinerário principal - foi assim que o baptizaram - confirmou-se, sem nenhum acréscimo de custos, como o mais mortífero do país. O próprio Tribunal de Contas se interessou pelo projecto e emitiu relatório, como é de uso. Nada de especialmente anormal conseguiu apurar e, nada mais do que isso, pôde relatar. A avaliar pelos extractos que seguem:
- Foi frequente a aceitação e aprovação retroactiva de prorrogações de prazo de execução da obra já após a sua conclusão e recepção, fundamentadas em atraso na aprovação de projectos de desvios provisórios, em alterações ao projecto por acréscimo de nós, na indisponibilidade de terrenos, em intempéries e outros.
- O estudo, a proposta, a autorização, a formalização da adjudicação (quase sempre por ajuste directo) e a contratação foram produzidos com efeitos retroactivos, meses depois dos factos consumados.
- Há evidências de não apuramento de responsabilidades, execução de direitos de indemnização ou compensação, cobrança de juros de mora, de multas, negociação financeira de contratos e outros.
- Nas avaliações dos terrenos expropriados, para a planta parcelar da Variante de Castro Daire - Lanço Moura Mora-Arcas os valores de avaliação subiram 30 por cento em 1997 e mais 15 por cento em 1998.
- Apesar de terem apresentado projectos deficientes, a Junta Autónoma de Estradas voltou a adjudicar aos seus autores estudos e projectos complementares, apenas justificados pelas deficiências dos originais.
Tudo está bem, quando acaba bem. Se a providência a isso ajudar, daqui a 20 anos, estarão terminados os quilómetros que ainda faltam, sem que tenha havido lugar a reparos. Pode este governo e, pelo menos, os dois ou três que se lhe vão seguir, governar descansados. Pode o país dormir tranquilo, ver os jogos do Euro na televisão, acompanhar a campanha de qualificação para o mundial, ver a Catarina Furtado ir envelhecendo e levar os netos ao estúdio, o Marco Paulo continuar a ganhar discos de platina. E o primeiro ministro da altura ir a Luanda, ao baptizado da neta do devoto José Eduardo dos Santos, na sua caminhada irreversível para a beatificação. Como os pastorinhos da Cova da Iria!
Isto para dizer que, para garantir o pluralismo em termos de informação que eu próprio recolho, leio de tudo. Olho para os títulos de todos os jornais nos expositores dos quiosques e, uma vez por outra, compro um ou outro que nem sequer sei folhear. Apenas para me assegurar que o país funciona, que o segredo de justiça está garantido e que o Dr Alberto João prossegue na sua luta titânica pela independência das ilhas.
Um desses jornais tem hoje um título de primeira página perfeitamente tranquilizador: Abuso nas contas do IP3. No texto, nas páginas interiores, diz-se que foram construídos, no tempo perfeitamente recorde de vinte anos, nada menos que 158 quilómetros ao preço unitário, absolutamente de saldo, de 700 mil contos. A evolução da obra tem corrido tão bem que já só falta construir 116 quilómetros que, a manter-se o ritmo da construção dos anteriores, deverão estar prontos ainda antes do ano de 2020. A construção concluída revelou-se um sucesso em todos os aspectos e em todos os vinte anos já decorridos, gerando o consenso político tão raro na nossa sociedade. Nenhum governo até agora, e foram vários, classificou a obra como sendo uma inqualificável herança do passado e dos governos anteriores. Paralelamente todos eles, desde o professor Cavaco, tiveram a oportunidade de visitar as obras com um capacete amarela enfiado na cabeça e de inaugurar vários bocados mais do que uma vez, com o trânsito cortado e sem necessidade de batedores da polícia a enxutar os mirones.
Como se este quinhão de sucesso ainda não bastasse aquele itinerário principal - foi assim que o baptizaram - confirmou-se, sem nenhum acréscimo de custos, como o mais mortífero do país. O próprio Tribunal de Contas se interessou pelo projecto e emitiu relatório, como é de uso. Nada de especialmente anormal conseguiu apurar e, nada mais do que isso, pôde relatar. A avaliar pelos extractos que seguem:
- Foi frequente a aceitação e aprovação retroactiva de prorrogações de prazo de execução da obra já após a sua conclusão e recepção, fundamentadas em atraso na aprovação de projectos de desvios provisórios, em alterações ao projecto por acréscimo de nós, na indisponibilidade de terrenos, em intempéries e outros.
- O estudo, a proposta, a autorização, a formalização da adjudicação (quase sempre por ajuste directo) e a contratação foram produzidos com efeitos retroactivos, meses depois dos factos consumados.
- Há evidências de não apuramento de responsabilidades, execução de direitos de indemnização ou compensação, cobrança de juros de mora, de multas, negociação financeira de contratos e outros.
- Nas avaliações dos terrenos expropriados, para a planta parcelar da Variante de Castro Daire - Lanço Moura Mora-Arcas os valores de avaliação subiram 30 por cento em 1997 e mais 15 por cento em 1998.
- Apesar de terem apresentado projectos deficientes, a Junta Autónoma de Estradas voltou a adjudicar aos seus autores estudos e projectos complementares, apenas justificados pelas deficiências dos originais.
Tudo está bem, quando acaba bem. Se a providência a isso ajudar, daqui a 20 anos, estarão terminados os quilómetros que ainda faltam, sem que tenha havido lugar a reparos. Pode este governo e, pelo menos, os dois ou três que se lhe vão seguir, governar descansados. Pode o país dormir tranquilo, ver os jogos do Euro na televisão, acompanhar a campanha de qualificação para o mundial, ver a Catarina Furtado ir envelhecendo e levar os netos ao estúdio, o Marco Paulo continuar a ganhar discos de platina. E o primeiro ministro da altura ir a Luanda, ao baptizado da neta do devoto José Eduardo dos Santos, na sua caminhada irreversível para a beatificação. Como os pastorinhos da Cova da Iria!
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