29 de abril de 2004

A retoma feita às avessas

O ministro Bagão Félix, depois de recuperado das dores de garganta que o impediram que estar presente, como tanto desejava, na cerimónia de entrega de condecorações um destes dias, afirmou ontem que a Segurança Social, entre creches, lares de idosos e actividades de tempos livres, encerrou 364 estabelecimentos nos últimos dois anos. O que representa uma média de 1 estabelecimento de dois em dois dias, a somar aos 200 postos de trabalho que vem extinguindo diariamente.

Mas o que é interessante é o grotesto da situação, o absurdo convicto do humor do ministro e do governo. O país anda às avessas, toda a gente sabe menos, naturalmente, o país. Antigamente celebrava-se quando se abria qualquer coisa, era notícia o número de creches, de lares de idosos ou de ATL abertos. Qualquer marçano de 14 anos descia de Trás-os-Montes à cidade do Porto, trabalhava de sol a sol como um mouro, levava porrada, não tinha férias nem folgas, ia aprendendo o ofício. Amealhava meia dúzia de tostões. Arranjava um pardieiro qualquer, com porta para a rua, e abria a sua tasca. Redobrava o esforço, esmerava-se no arranjo da loja, cumpria com as obrigações, realizava-se, mandava os filhos à escola e construía uma casita algures. Triunfava, numa palavra. O jornal da terra noticiava as visitas que fazia, os donativos que deixava. Tratava-o por próspero comerciante da praça do Porto. Encontrava os amigos com quem conversava e aos quais dizia, com orgulho, que estava estabelecido no Porto.

As coisas mudaram e, pelas sucessivas visões do governo, é isso que pelos vistos dá corpo à retoma, repetitivamente anunciada mas nunca vista. A crise, para já, é os bancos terem registado no primeiro trimestre do ano lucros que, quando comparados com o ano anterior, apenas subiram míseros 15 por cento. É o grupo PT, em que cada empresa consegue prestar serviços sempre piores do que a parceira, ter ganho nos primeiros três meses do ano apenas cerca de 160 milhões de euros. Qualquer coisa como 32 milhões de contos, para os mais saudosistas. Ao invés, o sucesso é conseguir extinguir 200 postos de trabalho por dia e ter o onjectivo de atingir os 400 até ao final do ano. O sucesso é fechar lojas e escritórios pelo país abaixo, promover falências e subsidiar as associações de patrões. Estes começam a acrescentar ao currículo que são empresários e gestores de empresas que faliram, cujos trabalhadores ficaram sem sustento mas a quem, todavia, a vida corre de feição. Habitam moradia nova, com piscina no relvado do quintal, e deslocam-se em automóvel novo de topo de gama.

Sucesso á encerrar creches, não é abri-las. Sucesso é diminuir o número de lares para idosos, não é aumentá-lo, mesmo que isso seja cada vez mais uma necessidade dramática. Retoma é acabar com os ATL a pretexto do aumento da produtividade que tanto preocupa o engenheiro Ludgero Marques. O Dr Bagão Félix há-de falar de si e do seu currículo quando deixar de ser ministro. Há-de dizer que é do Benfica, como toda a gente sabe, - o que é defeito que se lhe perdoa -, e que em vinte anos não ganhou campeonatos, nem taças, nem supertaças, nem troféus de golfe porque o atleta principal virou político e seguiu para eurodeputado. Há-de acrescentar que foi ministro quatro anos, por exemplo, e que fechou 1235 creches, 1743 lares de idosos e acabou com a raça a umas coisas esquisitas que davam pelo nome de ATL. Promoveu o desemprego, fomentou a doença, contribuiu decisivamente para o crescimento da pobreza absoluta, foi um reformador. E salientar que foi decisivo na superação da crise e no lançamento da retoma. Ora toma!

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