A peregrinação para o golfe de Estrasburgo
Neste país, a que garbosamente pertencemos e que, isolado, segue na cauda da Europa, tudo se confunde. Pelas semelhanças é frequente confundir toucinho com velocidade, festejar com cortejos de rua e lançamento de foguetes as vitórias morais, supor que o metro linear representa de facto todo o meridiano terrestre e pensar que, sem o ministro Figueiredo Lopes, os incêndios do Verão passado ainda não estariam extintos e o republicano Bush enfrentaria muito maiores dificuldades na democratização, altruísta, do Iraque.
Se assim é desde sempre o quotidiano converteu-se em rotina: tudo nos confunde, nada nos espanta. A rotina abandalha-nos a concentração, tanto assim que o treinador Mourinho a não tolera nem mesmo aos suplentes quando aquecem, ainda que já esteja a ganhar por seis a zero e apenas faltem dois minutos para que o árbitro, incorrupto e incorruptível, sopre o seu apito plástico para terminar o encontro. É essa fraqueza que frequentemente faz com que ganhemos moralmente, cheguemos atrasados a todo o lado como o ministro Marques Mendes, tenhamos mais olhos que barriga e pensemos que os comunistas apenas deixaram de comer criancinhas - salvo seja! - quando foi derrubado o muro de Berlim ou quando o camarada Carvalhas passou a ir à missa do Galo em S. Pedro do Sul e a beijar, convictamente, o pezinho ao menino Jesus.
A caminho dos santos populares que este ano terão, além das habituais marchas populares que o empreiteiro do túnel do Marquês subsidia, também umas aristocráticas eleições europeias, os partidos políticos equivocam-se quanto à data em que serão realizadas e, se não estamos atentos e concentrados, somos levados ainda mais do que pensamos. De facto só por confusão nacional, sinal marcante do nosso ADN ibérico, os candidatos terão iniciado a campanha eleitoral antes do tempo, de forma ilegal, e rumado à Cova da Iria, pela berma de todos os caminhos, apoiados a rudimentares bordões como S. José e envergando coletes de fluorescência cor de laranja, disponíveis em lojas de chineses a menos de dez euros.
A campanha foi iniciada exactamente na Cova da Iria com folhetos distribuídos aos milhares de peregrinos que confluem para a Capelinha das Aparições que, distraidamente, os tomaram pela versão multilingue de uma oração onde se apela a Nossa Senhora para que não permita que o seu Filho seja expulso da Europa e se indicam os candidatos que, devotos, ocupam abaixados esse lado da trincheira, em defesa dessa prerrogativa. Na lista inclui-se, muito naturalmente, o polivalente Pacheco Pereira que frequentou outra catequese mas que, homem de muitos princípios e múltiplas ocupações, passa os dias atarefado e com o credo na boca sem saber bem como estando às oito horas em Estrasburgo pode estar em Carnaxide meia hora depois. Sinal da sua fé e da sua devoção é que o consegue sempre, ficando-lhe ainda um bocadinho para, mesmo abruptamente, enaltecer as qualidades judias de Sharon e avisar para o radicalismo islamita de Arafat e para a bica, embora apressada, com o director Fernandes, enquanto este não parte, a pôr ordem definitiva em Bagdade.
A ministra materialista do tesouro resiste nas suas tentações ao vil metal. Converte-se. Acha que as europeias, pela data, são uma cruzada contra os infiéis. Emblematicamente o primeiro da lista é Deus, embora ainda em marcha a caminho do santuário, num breve descanso à sombra do pinheiro. Cansado e meio trôpego lá segue na convicção de que, por mais que isso o deixe exausto, há-de ter tempo para todos os campos de golfe de Estrasburgo, nem que para isso tenha que fazer horas extraordinárias, ainda que lhas não paguem. Enquanto ergue bem alto a cruz em madeira tosca e deposita o olhar confiante para lá do sol do meio dia, de sapatos cambados, cabelos em desalinho e aspecto de médium em transe, Manuela reza: Deus nos defenda que os socialistas voltem ao poder, mesmo que seja daqui a muitos anos.
Era melhor que ela cumprisse a penitência, começasse pelo terço, pedisse a absolvição. Se nestes dois anos concebeu ou não, é problema dela. Mas que foi sempre com pecado já é problema dos outros. E o país, crente e devoto que o diga!
Se assim é desde sempre o quotidiano converteu-se em rotina: tudo nos confunde, nada nos espanta. A rotina abandalha-nos a concentração, tanto assim que o treinador Mourinho a não tolera nem mesmo aos suplentes quando aquecem, ainda que já esteja a ganhar por seis a zero e apenas faltem dois minutos para que o árbitro, incorrupto e incorruptível, sopre o seu apito plástico para terminar o encontro. É essa fraqueza que frequentemente faz com que ganhemos moralmente, cheguemos atrasados a todo o lado como o ministro Marques Mendes, tenhamos mais olhos que barriga e pensemos que os comunistas apenas deixaram de comer criancinhas - salvo seja! - quando foi derrubado o muro de Berlim ou quando o camarada Carvalhas passou a ir à missa do Galo em S. Pedro do Sul e a beijar, convictamente, o pezinho ao menino Jesus.
A caminho dos santos populares que este ano terão, além das habituais marchas populares que o empreiteiro do túnel do Marquês subsidia, também umas aristocráticas eleições europeias, os partidos políticos equivocam-se quanto à data em que serão realizadas e, se não estamos atentos e concentrados, somos levados ainda mais do que pensamos. De facto só por confusão nacional, sinal marcante do nosso ADN ibérico, os candidatos terão iniciado a campanha eleitoral antes do tempo, de forma ilegal, e rumado à Cova da Iria, pela berma de todos os caminhos, apoiados a rudimentares bordões como S. José e envergando coletes de fluorescência cor de laranja, disponíveis em lojas de chineses a menos de dez euros.
A campanha foi iniciada exactamente na Cova da Iria com folhetos distribuídos aos milhares de peregrinos que confluem para a Capelinha das Aparições que, distraidamente, os tomaram pela versão multilingue de uma oração onde se apela a Nossa Senhora para que não permita que o seu Filho seja expulso da Europa e se indicam os candidatos que, devotos, ocupam abaixados esse lado da trincheira, em defesa dessa prerrogativa. Na lista inclui-se, muito naturalmente, o polivalente Pacheco Pereira que frequentou outra catequese mas que, homem de muitos princípios e múltiplas ocupações, passa os dias atarefado e com o credo na boca sem saber bem como estando às oito horas em Estrasburgo pode estar em Carnaxide meia hora depois. Sinal da sua fé e da sua devoção é que o consegue sempre, ficando-lhe ainda um bocadinho para, mesmo abruptamente, enaltecer as qualidades judias de Sharon e avisar para o radicalismo islamita de Arafat e para a bica, embora apressada, com o director Fernandes, enquanto este não parte, a pôr ordem definitiva em Bagdade.
A ministra materialista do tesouro resiste nas suas tentações ao vil metal. Converte-se. Acha que as europeias, pela data, são uma cruzada contra os infiéis. Emblematicamente o primeiro da lista é Deus, embora ainda em marcha a caminho do santuário, num breve descanso à sombra do pinheiro. Cansado e meio trôpego lá segue na convicção de que, por mais que isso o deixe exausto, há-de ter tempo para todos os campos de golfe de Estrasburgo, nem que para isso tenha que fazer horas extraordinárias, ainda que lhas não paguem. Enquanto ergue bem alto a cruz em madeira tosca e deposita o olhar confiante para lá do sol do meio dia, de sapatos cambados, cabelos em desalinho e aspecto de médium em transe, Manuela reza: Deus nos defenda que os socialistas voltem ao poder, mesmo que seja daqui a muitos anos.
Era melhor que ela cumprisse a penitência, começasse pelo terço, pedisse a absolvição. Se nestes dois anos concebeu ou não, é problema dela. Mas que foi sempre com pecado já é problema dos outros. E o país, crente e devoto que o diga!
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