15 de junho de 2004

Ai Portugal, Portugalzinho!

Portugal não joga na lotaria. Compra uma cautela na certeza antecipada de que arrecadará o prémio máximo a que a mesma habilita. Não tem palpites para apostar no totoloto. Regista o boletim para recolher, sozinho, o gordo jackpot que se vem acumulando há seis semanas. Mais do que decepcionado fica irado e espuma de raiva se não ganhar. Mesmo que se tenha esquecido de preencher e de registar o boletim.

Portugal é uma pessoa colectiva que nunca se engana e que raramente tem dúvidas. Tudo aquilo em que se mete é um sucesso desde que no Terreiro do Paço, durante meia hora, haja distribuição gratuita de cerveja quente e de febras mal assadas e cobertas pelo inevitável pó das obras com que Santana embeleza a cidade.

Não importa que as coisas dêem sistematicamente prejuízo nem há a preocupação de o apurar com o mínimo rigor. Não interessa saber antecipadamente para que servem as coisas e determinar a viabilidade económica dos projectos. A bola ainda não chegou ao pé de quem vai rematar para a baliza e já a bancada, eufórica, grita golo. O governo, em funções há mais de dois anos, passa a vida, tranquilamente, a afirmar que o desemprego cresce por culpa do governo anterior. E, como instituição de um país sem rei nem roque, exime-se alegremente a cumprir as suas obrigações e a pagar aos seus credores. Médicos e funcionários entram em greve reclamando do Estado o que este lhes deve há alguns anos. Dentro de pouco tempo ver-se-ão coagidos a fazer-se representar nas greves pela descendência porque eles já estarão internos em lares da terceira idade. Se alguma instituição particular se tiver dado ao trabalho de os construir. Porque o Estado, como o eleitor, abstém-se.

Depois dos desastres cada um de nós aponta com segurança todas as causas e se vangloria de os ter podido evitar com múltiplas soluções. Todos, de repente, passaram a saber tudo. O último exemplo que, cabisbaixo, vai jorrando pelos cafés e pelos restaurantes, é o Euro 2004. Especialmente depois de ter sido perdido, sem espinhas, o jogo contra a Grécia. Impacientes os jornalistas - que não informam, mas que acusadoramente inquirem! - atropelam-se nas salas de imprensa. Como maquiaveis de pacotilha esmeram-se nas perguntas. Plenas de calhandrice, de vazio e de má fé. Não perguntam: acusam. Não ouvem e menos percebem: inventam.

O que é óbvio requer três páginas de jornal, duas horas de microfone aberto e doze passagens pelas emissões televisivas. Como se fossem a coisa mais complexa com o que o país, alguma vez, se viu confrontado. Incluindo o desaparecimento de el-rei D. Sebastião e o cativeiro do Infante Santo. Todos querem, antecipadamente, saber como vai ser escalada a equipa para defrontar amanhã a Rússia e que táctica vai perfilhar. Mas isso é hoje. Amanhã, à posteriori, todos saberão como deveria ter sido e vão questionar porque não foi. Portugal, Portugalzinho!

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