3 de junho de 2004

Mukanda para o Dr Deus Pinheiro

Quando hoje, ao fim da tarde, cheguei a casa comecei por onde começo sempre: a ver a caixa do correio. Apesar da etiqueta colada do lado de fora, bem visível, pedindo para não depositarem publicidade, só havia folhetos. Praguejei! Desde que o Dr Soares pai nos deu o direito à indignação que me não acobardo. Vocifero sempre, profiro insultos soezes, palavrões grosseiros, desejos que até é crime confessar.

Mas antes de os rasgar todos, com a energia de quem sobe de bicicleta, dopado, à Senhora da Graça, deu-me para ver o que diziam. Vinha um do Modelo a propor tomates, pepinos, cebolas e bife a preços convidativos. Tudo chegado directamente da Galiza pela fronteira de Valença. Havia outro do Minipreço, a propor detergentes para a loiça, sabão macaco para o soalho e abrilhantadores para as loiças sanitárias. Todos acabadinhos de chegar, directamente da Galiza, pela fronteira de Valença. Um terceiro, afinal, não era publicidade a produtos galegos para o refogado e para a higiene do bidé. Era um manifesto eleitoral e vinha dobrado em três.

O Dr aparece de cabelo preto, - não é nenhum careca e aquilo não é capachinho, pois não? - sem óculos esquisitos, - não usa lentes de contacto, pois não? - de sorriso largo, a dentadura à mostra, - não é postiça, pois não? - a pêra muito aparadinha, todo engravatado como se fosse para a igreja, a ser padrinho da noiva. Com o nome escrito por baixo, não fosse a gente confundi-lo com o Scolari da selecção, se bem que ele usa um bigode mais farfalhudo, tem umas entradas que evoluem para a careca e não tem um sorriso assim, tão Colgate que até dá para sentir o hálito fresco, a mentol. Mas dizem que também ganha bem!

Na outra face, o manifesto propriamente dito. E a consideração com que o Dr se me dirige! Desvanece-me! Deixa-me sem palavras, quase me babo. Na minha idade, com dezoito anos feitos e direito a voto adquirido, não se pode ceder a fraquezas deste género, mas que quer? Prezado(a) eleitor(a)! As letras entre parêntesis é que me confundem! O Dr não está equivocado a meu respeito pois não? Sabe bem quem eu sou, não sabe? Então para a próxima desarrisque lá isso que ainda pode ser embaraçoso. Para mim e para si, está bom de ver! Que isso, segundo dizem, vão para aí umas misturas…

Li tudo, lenta e atentamente. E reli três vezes, sempre mais lenta, cada vez mais atentamente. Dizem que não sou muito inteligente, - se o fosse também tinha sido convidado para candidato porque só vão os melhores! - não tenho grande instrução mas fiz a quarta classe na escola primária de Rebordelo, com distinção. Nunca reprovei. Ainda tenho o diploma encaixilhado, pendurado na parede da sala. Tirei a carta de condução na tropa, ligeiros e motociclos, e passei no código à primeira, tendo acertado nos sinais todos, até naquele que é para deixar passar os outros. Tenho-me desenrascado na vida, expediente aqui, expediente acolá, as coisas correm. De tanga, mas correm, e a tanga a mim é que já me fica mal por causa das proeminências. É culpa da cerveja, dos cozidos à portuguesa e do arroz de feijão vermelho com bacalhau frito. Não! Barriga, graças a Deus - refiro-me ao outro, ao que vive mais lá em cima! - ainda não tenho.

Fiquei a saber que o dia 13 de Junho já não é de Santo António, das marchas populares e das sardinhas assadas. Era uma tradição e tenho pena. Mas também lhe digo, as sardinhas custam uma fortuna cada quarteirão e as marchas a gente tem que gramar aquilo de pé, horas a fio, já me pesa o cu e me doem os pés. Depois a Europa alargada! Ainda mais? A 25 países? Coitada da Europa! O Dr também entra nessa, todo aperaltado, vai por a senhora de joelhos como o António Calvário a cantar a oração dele!

Adquiro a certeza de que, depois de dois anos, vai haver sardinhas e pimentos para todos. À ganância! Mesmo que venham da Galiza, pela fronteira de Valença, a preços daquela velhota dos anúncios do Continente. A gente até há-de esquecer a condenação que nos ficou como herança das desastrosas políticas económicas entre 1995 e 2002. A minha memória falha um bocado, é volátil como a dos computadores que já vi no Um contra todos, com aquele bacano alentejano. Mas foi a ocupação dos Filipes não foi? Sacanas dos espanhóis. Dali, nem bom vento, nem bom casamento. Mas eu acredito, eu tenho confiança no Dr. Ainda por cima se diz que é crucial! Sempre é melhor que ctónico, crótalo ou estaquilha! Porra!

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