Os doces caminhos de África - 1
Por aquele tempo o Huambo era Nova Lisboa, o bairro de Benfica era o Bairro de Benfica, a Missão do Canhe era a Missão do Canhe, o cestinho de morangos custava meia-cinco. As quitandeiras subiam do vale do Queve carregando pesadas cestas à cabeça e filhos remelosos e adormecidos amarrados às costas. Saíam pelo escuro da madrugada, os pés descalços e gretados, subindo pela beira da estrada de terra. Pela valeta, tumultuosas e barrentas, corriam águas da chuva que chovia, terra que era penico do céu, mais tarde lhe chamaram. Outras vezes pisavam o pó frio e vermelho do tempo seco, os corpos frágeis vacilando ao peso da carga e tiritando aos frios da aurora que entravam pelo velho dos panos que vestiam.
Quando por ali chegavam tinham caminhado duas a três horas, era longe demais o vale do Queve, o dia clareava, o sol havia de nascer escondido atrás de nuvens carregadas de chuva para chover. Montado na sua bicicleta com motor, pequeno, magro e triste, haveria de passar o senhor Duarte Pacheco carregando a sua pasta de cobrador do grémio do milho. Usava sempre o chapéu e a gravata preta, nunca o confessou, diziam que era o luto pela morte do irmão, ministro de Salazar, falecido de acidente. A casa térrea, pequena e periférica, ficava numa esquina, os pregões entravam pelas janelas de madeira com vidros pequeninos seguros ao caixilho com preguinhos ponta de paris e massa de vidraceiro. Um pouco acima a igreja do bairro continuava em construção lenta, ainda sem altar-mor e sem missa. Do outro lado, mais abaixo, era a casa do senhor Louçã, homem pequenino, caçador, ausente por longos períodos, pai de uma filharada de alguma meia dúzia ou mais.
Sabia-se sempre quando o senhor Louçã estava de regresso. Pela camioneta Fargo, velha, com a carroçaria em madeira, a desfazer-se, estacionada no largo fronteiro à casa. Pelas barricas de madeira, espalhadas sem ordem, abertas num dos topos e pela carne que secava pendurada nas cordas, à sombra, como se fosse roupa acabada de lavar. As peles secavam ao sol, abertas e espalhadas por cima do capim, com os olhares dos filhos vigiando o céu e a disposição do Altíssimo que nunca mandava aviso antes da bátega. Que muitas vezes caía entre dois relâmpagos e um trovão que estremecia as casas, derrubava as panelas de alumínio na cozinha e chegava mesmo a quebrar os pequeninos vidros das janelas.
Ao domingo, vestidos de lavado, sapatos engraxados e a gola da camisa branca dobrada por fora das abas do casaco, subíamos a pé a estrada que dava para a cidade para irmos à missa na Sé. Depois se voltava, era uma peregrinação semanal, atravessava-se a linha férrea do CFB sob pontões metálicos por onde passavam os comboios. Às vezes até só as locomotivas em manobras, deitando fumo pela chaminé, silvando vapor junto às rodas, estas patinando sobre os carris na sofreguidão do esforço. O maquinista puxava a corda do apito, intervaladamente, com habilidade, quase parecia uma melodia. Os ajudantes alimentavam a caldeira, iam jogando os toros de eucalipto para a fornalha, na passagem podia ver-se o crepitar das chamas e o incandescente das brasas. Transformando a água em vapor e em cavalos que eu não via e que não podia entender.
Quando por ali chegavam tinham caminhado duas a três horas, era longe demais o vale do Queve, o dia clareava, o sol havia de nascer escondido atrás de nuvens carregadas de chuva para chover. Montado na sua bicicleta com motor, pequeno, magro e triste, haveria de passar o senhor Duarte Pacheco carregando a sua pasta de cobrador do grémio do milho. Usava sempre o chapéu e a gravata preta, nunca o confessou, diziam que era o luto pela morte do irmão, ministro de Salazar, falecido de acidente. A casa térrea, pequena e periférica, ficava numa esquina, os pregões entravam pelas janelas de madeira com vidros pequeninos seguros ao caixilho com preguinhos ponta de paris e massa de vidraceiro. Um pouco acima a igreja do bairro continuava em construção lenta, ainda sem altar-mor e sem missa. Do outro lado, mais abaixo, era a casa do senhor Louçã, homem pequenino, caçador, ausente por longos períodos, pai de uma filharada de alguma meia dúzia ou mais.
Sabia-se sempre quando o senhor Louçã estava de regresso. Pela camioneta Fargo, velha, com a carroçaria em madeira, a desfazer-se, estacionada no largo fronteiro à casa. Pelas barricas de madeira, espalhadas sem ordem, abertas num dos topos e pela carne que secava pendurada nas cordas, à sombra, como se fosse roupa acabada de lavar. As peles secavam ao sol, abertas e espalhadas por cima do capim, com os olhares dos filhos vigiando o céu e a disposição do Altíssimo que nunca mandava aviso antes da bátega. Que muitas vezes caía entre dois relâmpagos e um trovão que estremecia as casas, derrubava as panelas de alumínio na cozinha e chegava mesmo a quebrar os pequeninos vidros das janelas.
Ao domingo, vestidos de lavado, sapatos engraxados e a gola da camisa branca dobrada por fora das abas do casaco, subíamos a pé a estrada que dava para a cidade para irmos à missa na Sé. Depois se voltava, era uma peregrinação semanal, atravessava-se a linha férrea do CFB sob pontões metálicos por onde passavam os comboios. Às vezes até só as locomotivas em manobras, deitando fumo pela chaminé, silvando vapor junto às rodas, estas patinando sobre os carris na sofreguidão do esforço. O maquinista puxava a corda do apito, intervaladamente, com habilidade, quase parecia uma melodia. Os ajudantes alimentavam a caldeira, iam jogando os toros de eucalipto para a fornalha, na passagem podia ver-se o crepitar das chamas e o incandescente das brasas. Transformando a água em vapor e em cavalos que eu não via e que não podia entender.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial