16 de agosto de 2004

A selva ou no reino de Pacheco

A selva não é a amazónica. Inóspita, violenta e desumana. O Pacheco não é o de quem se fala ou aquele em quem se pensa. É outro: menos nobre de brasão, mais pelintra e sem tostão, nunca suficientemente reconhecido. O reino não é sequer aquele a que, no Terreiro do Paço, praticamente foi posto termo a 1 de Fevereiro de 1908, Manuel Buiça e não sei mais quem. Chiça!

A selva é esta, diária, de águas pútridas, cheiros nauseabundos e procedimentos de concurso público. Não a de Ossela, Oliveira de Azeméis, terras de cacau, domínios de coronéis. O reino é também este, o mesmo que, apesar de tudo, os fogos de Verão não consomem e que os aviões que o país não possui também não conseguem extinguir. Aquietem-se que em duas semanas chega a festa do avante e quanto aos submarinos hão-de vir.

O Verão e a canícula são propícios à ida a banhos, longe das cinzas dos incêndios e das concentrações de bombeiros em montes sem estradas e sem água e quando tudo acabar só fica a mágoa. Não favorece o Verão outra coisa sublime senão o descanso de não fazer nada, o empanzinar do almoço até às três da tarde, a sesta embalada ao som grave do trombone com que se ressona e a ida vespertina para a esplanada sobre a areia, a petiscar camarões da nossa costa e a beberricar umas imperiais até que sejam horas para o peixe grelhado do jantar ligeiro sob o caramanchão. E a noite então é que vai ser, uma, duas, três, quatro é que não.

Não é o Verão época que estimule a meditação como um qualquer convento de carmelitas descalças, onde se vive enclausurado, ao menos por essa via e por vocação ao abrigo dos perigos da selva e destes reinos de faz de conta. Seja a malta séria, atilada de todo ou mesmo tonta. Mas pode-se tentar, mesmo quando o facto político dominante é a forma como os iraquianos nos agradeceram o contributo que estes reinos deram àquele areal desértico a jorrar petróleo espesso e malcheiroso. Com quatro biqueiradas no cu, desde a Grécia, ao vivo e em directo como se já fosse o Zézé Camarinha agarrado ao utensílio naquilo a que a inteligência nacional e a academia de letras entenderam chamar a quinta-feira das celemerdades. Na piedosa clemência para com pessoas, doenças e outras enfermidades.

E então, depois de uma semana de insónias, noites mal dormidas, a cabeça a estoirar, febres de quarenta graus sem contar com os quebrados e sem ligar às contas do engenheiro, encharcado em comprimidos - puta que pariu o xanax! -, genéricos ou não, parece que é assim. Adriana Calcanhoto Partimpim.

Primeira argola olímpica
Um tal de Octávio qualquer coisa que, ao que se sabe, nem sequer é familiar de um outro Octávio malvado, eleitor de outra freguesia, plantador de fernão pires e malvasia e criador de frangos do campo, cumpre contrato de trabalho a termo certo numa coisa parecida com jornal, letras grandes na primeira página, princípios e rigor arquivados na sanita. Por intrometidos e empenhos, do abade ao sacristão, presença nas missas de domingo e comunhão, um sindicato laico e santo, com presidente de barbas longas como se apóstolo fosse, lhe reconheceu competência para que sem exame passasse a jornalista encartado como condutor de automóveis que atropela velhinhas nas passadeiras pintadas em cruzamentos. Em que atravessam burros, asnos e jumentos.

Vai daí atirou-se o tal de jornalista à selva dos reinos e ao reino das selvas que a ordem dos factores é obituária. Em grande superfície de 18 hectares ou menos, como a Quinta de Serralves, passou a comprar resistente gravador e quantas cassetes fosse a imaginação capaz de magnetizar ou des. Telefone em casa já tinha, sem nome na lista de assinantes por causa dos impropérios, das ameaças dos maridos encornados e da preservação da intimidade senão há até quem nos ligue a meio da queca, quando se está no bem-bom de todo e peca.

Ligou ao salgado, amendoins e castanha de caju vinda da beira-Índico, - Moçambique estraga-nos com mimos e tira-gosto! - eram tu-cá tu-lá, jogos de sueca sob a sombra de tílias centenárias em tardes de Verão, quem perder paga o almoço de domingo, porra. Então que dizes, apostas ou não? Disparou o gravador, foi puxando pelo cordel, cassete atrás de cassete, até perfazer algumas cinquenta horas - foda-se, cinquenta horas? - seguidas ou interpoladas, tanto faz que o contrato tem a duração de seis meses. Tanto tempo, nem tudo são trunfos, nem tudo serão revezes.

Encomendou material, montou fábrica, que cassete já não vende bem nem em Vandôma, muito menos às segundas-feiras na feira de Espinho. Por mais e melhor que seja o trabalhinho. Passou tudo a CD, tradução erudita e por extenso compact disk, foi produzindo em série para baixar o preço e aumentar a competitividade externa. Que a vida é só uma e quando menos se espera apaga-se a lanterna. Lançamento, pois! O sucesso, as sessões de autógrafos nas lojas da Fnac, sempre à hora de saída dos empregos, como se chama a menina, então lá vai, com muito carinho e um grande beijinho para a Mariazinha. Tantos de tal etc e coisa, assinado o próprio. Cumprimentos em casa, ao namorado e à tiazinha.

Giro de carteiro, solene e certo como antigamente, uma cópia na caixa de correio de cada redacção. Nada de descaminhos, tudo certo pois então. Já está, que alguém há-de ouvir a música, marcar o compasso e acompanhar-lhe o ritmo. Lavada a roupa, pendurados à janela os lençóis sob os quais Ney Matogrosso cantou, abrir a mansarda e gritar a plenos pulmões para o tráfego parado nos semáforos: fui roubado! Mas não pensem que mesmo assim venha a ser quilhado.

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