13 de agosto de 2004

Raios partam o horóscopo

Estou desolado com o meu horóscopo para a semana que vai de 13 a 19 do corrente. E ainda mais desolado me confesso quando vejo serem as previsões obra de Miguel Sousa, que não conheço, mas que tem um ar simpático e marialva, com um penteado à anos sessenta, sorriso enigmático e cotovelo apoiado com a mão a segurar o queixo enquanto o polegar lhe afaga o rosto. Não são visíveis nem o telenóvel nem as chaves do carro, mas a camisa branca, com a gola passada por cima da gola do casaco escuro desportivamente desabotoado, acabam por denunciá-lo. Deve pelo menos ter um Mercedes ou um Audi, ou até ambos, arrumados numa garagem espaçosa na sua moradia da Malveira da Serra. Tudo indica que tem preparado bem os seus próprios horóscopos. Quanto a mim, mesmo que se anuncie como o vidente das estrelas, manifesto-me desiludido e desapontado.

Ser do signo touro é assim como que uma fatalidade pela qual nem sequer sou responsável. Aconteceu. Nasci entre 21 de Abril e 21 de Maio, não houve o cuidado de antecipar as coisas o que faria de mim carneiro, nem de as adiar o que me rotularia de gémeos. Acontece que já na escola, por razões que nunca comprendi, as minhas colegas afivelavem um sorriso trocista, baixavam os olhos e depois, meio comprometidas e disfarçando o que podiam, afastavam-se de mim a rir como galinhas tontas. Uma ou outra parecendo-se mesmo com uma vaca louca do secretário de estado da agricultura, morador na Golegã, praça do município número quatro, segundo andar direito.

Quanto ao horóscopo propriamente dito. Cartas: amor e tráfico. Então isto faz algum sentido? Que eu saiba o amor pode associar-se ao ódio ou a uma cabana. Nunca pensei que se chegasse à desfaçatez de o associar ao tráfico, não se sabe nem de quê nem tão pouco em que quantidade. Passo!

Cor da semana: azul-escuro. Azul nunca combina com escuro, pelo menos a norte do Douro. Combina sempre com branco, em partes iguais e às listas verticais.

Números da sorte: 3 e 5. Somados dão oito, dia do senhorio. Então isso é sorte? Multiplicados dão quinze, dia em que o ordenado se acabou e me falta meio mês para receber outro.

Dia favorável: sábado. Favorável para quê? A minha sogra vem de manhã, impede-me de estar na cama até mais tarde e de andar pela casa à minha vontade, descalço até ao pescoço. Almoça connosco para agravar o orçamento, repete até a sopa, acaba-me com o pudim e com o maior desplante, depois de se empanzinar, anuncia andar a padecer de um certo fastio que quase a não deixa comer.

Amor: tempo de emoções intensas. Poderei ser surpreendido por novas paixões. Solidificação das relações existentes. Não vou para a quinta dos famosos onde talvez vibrasse com os dotes para a agricultura da Cinha Jardim e do Zé Castelo Branco, a menos que estes deixassem a enxada e se entretivessem com outro assunto qualquer. Surpreendido por novas paixões, lagarto, lagarto. Solidificar relações isso sim, pode ser positivo. Especialmente se se tratar da minha sogra e a solidificação for com cimento Secil. Ajuda-me a mim e, em menor escala, à família Queirós Pereira, que bem precisa.

Dinheiro e trabalho: seja persistente. Evite criar problemas. Até ao fim do mês nada mais me resta do que ser persistente na espera do ordenado, que o patrão não autoriza vales ao caixa. E sorte tenho eu de ainda ter patrão. Não crio problemas não. Ando teso e calado até ao fim do mês, rezando para que ele tenha dinheiro para me pagar o ordenado antes do dia quarenta e cinco. Que o raio do Ferrari só em gasolina consome-lhe os olhos da cara.

Saúde: vá ao dentista. Com todos os dentes extraídos há anos em consequência de uma piorreia, usando placa, que raio vou eu fazer ao dentista? Sabendo, ainda por cima, que levam uma fortuna por cada consulta. E que, nesta altura do mês, já estou mais teso que eu sei lá o quê.

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