18 de dezembro de 2004

Originalidades

Se não existisse Portugal tinha que ser inventado. Quanto mais não fosse pela originalidade. É quase certo que, doravante, a União Europeia permitirá que o país viole as suas regras, exceda os limites estabelecidos para o défice, atropele a transparência de algumas leis eleitorais, falte aos Conselhos Europeus. Os atiradores furtivos de que fala Portas serão equipados pelo seu ministério com espingardas novas, para a caça nas coutadas e o tiro fortuito nas avenidas novas. Devem acautelar-se os frequentadores do Galeto, os parzinhos do Campo Pequeno e os transeuntes da Duque de Ávila.

A ministra da Ciência, Inovação e Ensino superior - podendo a ciência ser oculta, a inovação medieva e o ensino aquele que é - anunciou em Maio último o programa Estímulo à Excelência. A reger-se por regras simples, lineares e originais como convém a este pequeno país plantado a oriente do cabo da Roca. Basta ser residente em Portugal, ter cinco anos de carreira profissional ligada à investigação e cumprir alguns índices mínimos como a publicação de 100 artigos em revistas internacionais, 500 citações num índice específico, ter supervisionado 10 doutoramentos. No caso de jogadores de futebol exige-se que tenham cumprido 5 anos de contrato num clube vencedor da liga dos campeões, representado uma grosa de vezes a selecção das quinas, defendido 20 penalidades numa época, de forem guarda-redes, marcado um golo por jornada se forem médios e dois se forem atacantes.

Logo no primeiro ano, por mera questão de reconhecimento, o nome da própria ministra foi incluído na lista dos excelentes. Sendo original, não deixa de ser bonito: nos dias que passam é gratificante verificar que a gratidão não é palavra vã. Por modéstia da própria parece que o nome acabou por ser injustamente retirado. Em todo o caso a avaliação das candidaturas e a atribuição dos financiamentos é da responsabilidade da Fundação para a Ciência e Tecnologia, cujo presidente é Fernando Ramôa Ribeiro. Que também se apresentou a concurso e que, por originalidade e sorte dos diabos, acabou por ganhar. Não se sabe se terá feito parte do júri, se terá produzido parecer sobre a candidatura ou se a terá despachado favoravelmente. Sabe-se, isso sim, que o próprio não vê na originalidade nenhum problema, até porque não vai receber o dinheiro, o que está mal.

Devia arrecadar o financiamento, mesmo que fosse concorrente, membro do júri ou até seu presidente. Não se compreende, por exemplo, que os prémios da lotaria e do totoloto continuem a ser arrecadados por estranhos, que muitas vezes apostaram ninharias, não sabem governar o dinheiro que ganham e acabam de novo tesos como um virote. Então não seria muito mais decente, muito mais original que os prémios saíssem ao pessoal da casa? Porque é que a Provedora ainda não despachou nesse sentido?

1 Comentários:

Às 9:54 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

Isto é desonesto: não há júri nem parecer sobre as candidaturas, e ganhar não é uma questão de sorte. É apenas uma questão de cumprir critérios objectivos, os quais não são, de todo, impossíveis de cumprir uma vez que foram atribuídos 73 prémios. Vários a cientistas com menos de 40 anos, e muitos a cientistas com menos de 50 anos. Mas neste país continua-se com medo da excelência, porque contrasta demasiado com a mediocridade.
Nuno Barradas

 

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