19 de fevereiro de 2005

Reflexão

Com vossa licença, perdoe-se-me o mau feitio, o arrufo e a grosseria. Mas exactamente agora, quando são passadas as zero horas de sábado, 19 de Fevereiro de 2005, completam-se duas semanas de merda. Durante este período nem a agricultura beneficiou, o tempo continuou frio, a seca persistiu, as sementeiras continuaram por fazer. Os nabos passaram a cortiça subterrânea, as cenouras perderam a cor e o alfobre. A concorrência entre feirantes intensificou-se, os lugares passaram a ser ocupados pelo grande capital, as bancas de venda de enchidos viraram grandes superfícies. Que editaram folhetos policromos, colaram cartazes por detrás do açougueiro, puseram música pimba a inundar os locais com potências que estilhaçaram vidros e derrubaram telhas dos prédios vizinhos.

Procurou-se impingir ao inadvertido cliente todos os trastes avariados e sem nenhum préstimo como os que se adquirem nas lojas dos trezentos. Mesmo oferecendo o crédito expedito pelo telefone, sem burocracia e sem formalidades, a taxas de roubo e a pretexto de perseguir a qualidade de vida que os europeus merecem e de fazer progredir os lucros da banca à razão de vinte por cento ao ano. Agora, cansados os feirantes e falidos os clientes, impõe-se que o dia de amanhã seja de reflexão. Para que os primeiros concluam que, afinal, os lucros ficaram abaixo daquilo que legitimamente esperavam e para que os segundos confirmem que não ganham para pagar as prestações e alguma coisa vai ter que ficar para trás.

A campanha eleitoral, oficialmente, finou-se. Depois de se ter iniciado de parto prematuro, sem crime e sem castigo, de ter libertado um contínuo e forte odor a esterqueira e de ter mantido, superiormente, um indigno nível abaixo de cão, vai a enterrar como o rei momo em quarta-feira de cinzas. Deixando o país mergulhado na Quaresma, obrigado a respeitar o jejum e sem dinheiro de sobra para adquirir a bula. Os pequenos partidos foram ignorados, remetidos a uma vegetativa existência marginal e limitaram-se a ocupar os tempos de antena, por vezes à custa de paspalhos, sem jeito, sem recursos e sem discurso. Ainda assim, à custa de dois automóveis emprestados e de megafones recuperados à sucata, o Dr. Monteiro promete a mudança do sistema e viagens à lua ao preço que a TAP cobra para nos levar de Pedras Rubras à Portela de Sacavém.

Dos outros, daqueles que o estado subvenciona sem nunca falar na má aplicação do dinheiro dos contribuintes, teve-se ainda menos do que se esperava. Os que aspiram a chegar primeiro ao cimo do Alpe de Huez, como Armstrong, falta-lhes sebo nas canelas e a massa encefálica na caixa dos pirolitos. Não assumiram compromissos, não tiveram ideias, não estenderam projectos. São todos, logo à partida, perfeitamente inimputáveis, ninguém exige responsabilidades a um tonto. Todos viram sempre a ramela no olho do vizinho, mas nunca se olharam ao espelho. Apregoaram virtualidades, reclamaram a beatificação, remeteram os adversários directamente para o purgatório, mas não foram à missa, não solicitaram os favores da Virgem e, por precaução, esqueceram-se de passar pelo confessionário.

Hoje, ao menos, será dia de menor ruído e a poluição sonora não irá além dos limites da lota, para os pregões que salientem a qualidade da xaputa e a frescura do chicharro. Amanhã as coisas, garantidamente, mudam de novo. Voltará o mau cheiro das suiniculturas das margens do Liz, a ocupação selvagem da serra da Arrábida, a destruição do maciço calcário da serra de Aire e de Candeeiros. A bem do interesse nacional, da globalização e da competitividade na construção civil. De uma a cinco assoalhadas!

1 Comentários:

Às 10:57 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Ainda há algum trabalho por fazer.
É preciso retirar a esterqueira debaixo dos tapetes.
E toda a ajuda não é demais…


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