10 de maio de 2005

Inquéritos e auditorias

Em Portugal é de uso, inútil e politicamente correcto, nomear comissões de inquérito e ameaçar com auditorias. As comissões de inquérito são a capa por detrás da qual se escondem todas as responsabilidades e das quais, por mais ilustres e qualificadas, absolutamente nenhuns resultados se esperam. E, para que não sejam defraudadas as expectativas do cidadão, é exactamente isso que se verifica: não se divulgam relatórios para que se não assuma publicamente o ridículo de não haver nem responsabilidades nem resultados. De permeio sempre os seus membros vão contando com algumas deslocações pelo país, refeições ditas de trabalho em bons restaurantes, pernoitas em hotéis de cinco estrelas e ajudas de custo para ajuda dos charutos e da mesada dos filhos. Tanto assim que, gorada a possibilidade de se ser ministro ou secretário de estado, muito licenciado em qualquer coisa se perfila na esperança de ser nomeado para uma comissão de inquérito.

Há inquéritos para tudo e para todos, inquirindo desgraças, tragédias e mesmo algumas disfunções, porventura até de natureza íntima e, se calhar, sexual. Exceptuando os licenciados em direito que, por dons sobrenaturais, estão habilitados a inquirir sobre tudo e a desempenhar todas as funções, os licenciados em medicina são peritos em literatura como Júlio Dinis, os licenciados em química poetas de rima fácil como Rómulo de Carvalho e os sociólogos afadigam-se pela participação em fóruns mundiais que protejam as espécies amazónicas. Inclua-se ainda nas excepções o caso patológico de Luís Delgado para cujas múltiplas competências e fáceis inflexões e golpes de coluna a ciência não conseguiu encontrar ainda nenhuma pecaminosa justificação.


Qualquer líder partidário que ambicione ser eleito deputado e chamado a formar governo ameaça, com ar sisudo, com auditorias às contas públicas sem saber o que diz, mesmo sabendo perfeitamente que as ameaças, como as culpas, hão-de morrer solteiras. Por estes dias o presidente Sampaio, que vai lançando os derradeiros foguetes e apanhando as últimas canas, se referiu à nacional idiotice de ter cursos superiores que nunca serviram para nada, são frequentados por menos de vinte alunos e custam ao contribuinte - como repetidamente afirma o ministro das finanças! - importantes verbas que poderiam investir-se no túnel do Marquês ou no chamado edifício transparente. Sugeriu que a propósito se realizasse uma auditoria de que pudessem extrair-se conclusões objectivas. Deformação de jurista que, creio, a sucessão de dois mandatos não conseguiu fazer esquecer. De imediato se conheceram as mais díspares reacções. Os sportinguistas, naturalmente, aplaudiram. Os benfiquistas vaiaram. Os portistas recomendaram a Pinto da Costa que se entendesse com o presidente da Liga e que, em conjunto, nomeassem o árbitro que agisse mais e falasse menos. Quanto ao Anacleto Louçã convocou uma convenção, fez coro no refrão quando foi entoada a internacional a garantiu que o poder, para não variar, há-de chegar na ponta afiada de uma auditoria!

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