9 de maio de 2005

Terceira idade

A D. Maria José Nogueira Pinto é provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Não consta que tenha chegado ao cargo em consequência de eleições directas promovidas entre o pessoal da instituição de que, segundo creio, nem sequer faz parte. Suspeita-se que também não tenha sido nomeada depois de ter sido candidata ao lugar em concurso público, de ter enfrentado as dificuldades de provas escritas, incluindo Português e Matemática, completado acertadamente e com sucesso esquisitos testes psicológicos e suportado a carantonha aterradora de um júri severo e rude expressamente vindo do sindicato dos lentes de Coimbra. A D. Maria José Nogueira Pinto chegou ao cargo que ocupa da mesma forma que em Portugal alguém chega a algum sítio, excluindo este e o Barnabé super star. Ou seja, pelas relações de família, conhecimentos do marido, compadrio, filiação partidária ou preferência clubista.

Apesar disso a senhora prestou nos últimos anos dois inestimáveis serviços ao país. Primeiro quando num congresso de um partido cujo nome se me varreu asseverou que Paulo Portas era adversário que não conseguiria ganhar sequer ao rato Mickey. Afirmação que, em termos de futuro, acaba de assumir a natureza premonitória de uma maldição. Tão grande que os próprios jornais noticiam que as capacidades do presidente Bush e do seu ajudante Duck Rumsfeld se esgotam, ultimamente, a condecorar bonecos animados que, na Patolândia, tenham sido ministros e comprado sucata em forma de corveta. Depois quando há dias revelou, num cochicho, que à míngua de lugares a Santa Casa alojava idosos em estabelecimentos que funcionam, normalmente, sem alvará. Como aliás e sem espanto funciona a grande maioria das coisas neste país. Que, por si, não funciona de maneira nenhuma.

Mas a afirmação teve o eco de uma bomba que pudesse arrasar, num só rebentamento, o Centro Cultural de Belém, a Casa da Música e as armas de destruição maciça que enchem os esconderijos do Iraque. As mães que conduziam os filhos pela mão estugaram o passo e entraram na primeira igreja a rezar o credo e a declamar a salve rainha. Os professores que iam a caminho das escolas voltaram para trás, vencidos na sua dupla missão de ensinar e de educar e o presidente do respectivo sindicato reclamou do ministério a trigésima reforma em cinco anos. Os assaltantes de rua fizeram duas horas de greve, enquanto os donos das carteiras cumpriam o horário, preocupados com a qualidade do futuro que a Santa Casa lhes reservava. O secretário de estado, que de nada sabe e tudo desconhece, como se exige ao currículo exemplar de um político, mandou instaurar urgentemente um inquérito. Ainda mesmo que o terceiro contínuo da hierarquia da secretaria lhe tivesse afiançado, pelas alminhas do purgatório, que o Estado, exemplarmente, fazia o mesmo.

Eu, por mim, ri-me à gargalhada com o tipo de encenação que nem Jô Soares consegue nos seus programas do gordo. Para saber o que se passa nem sequer é preciso percorrer o país, basta sair à rua. O centro das chamadas grandes cidades está em ruínas, metade da população morta e a outro metade abandonada à sua sorte em casas velhas e com pensões que lhes não dão para a compra dos medicamentos de que precisam. Os velhos entram nas farmácias não para aviar as receitas que trazem mas para perguntar quanto custa, ficando a aguardar pelo vale postal do mês seguinte. Nos meios rurais a situação agrava-se, até mesmo a missa já deixou cair a sua regularidade em muitas paróquias, à falta de vocações como se proclama do Campo de Santana. Quanto ao resto, não há médicos, nem receitas, nem farmácias. O que o álcool não conserva a pílula não cura. Os idosos do país, que não tenham a promissora idade do senhor Mira Amaral e o conforto da sua razoável pensão, estendem-se pelas enxergas à espera da morte, esperando sair para os jardins quando o verão chegar, se houver um baralho de cartas. E ainda lhes sobrarem forças para o fazerem!