1 de junho de 2005

Assembleia-geral

Os Correios são uma empresa pública a que, num momento de inspiração divina e infalibilidade papal, o sempre certo professor Cavaco resolveu chamar sociedade anónima de capitais inteiramente detidos pelo Estado. O seu objectivo, como havia acontecido enquanto os mesmos integraram a administração pública pura e dura, seria a prestação do serviço público de correios. A situação foi entretanto ultrapassada, o correio deixou de ser serviço público por troca directa com o futebol que a RTP transmite de segunda a domingo, sem interrupção. De facto não se divisa, nesta ensolarada manhã de quarta-feira, maior interesse público do que tirar a limpo o estado físico do senhor Nuno Gomes e as insuportáveis saudades da mulher que levam Trapatoni de regresso a Itália e ao acolhedor abraço da dita.

A partir de tal acto decisivo para o progresso do país, o bem-estar do povo português e o triunfo do sim no referendo sobre o tratado constitucional europeu, os Correios passaram a submeter-se ao Código das Sociedades como qualquer empresa que o senhor Belmiro de Azevedo tenha a vender legumes ou que o senhor Américo Amorim dedique ao fabrico artesanal de rolhas de cortiça. Em conformidade os sucessivos conselhos de administração passaram a proclamar a natureza privada da sociedade e a apregoar os inumeráveis benefícios dos respectivos métodos científicos de gestão. Com pompa, circunstância e o sonho nos bailes de gala no Palácio da Ajuda, os administradores passaram a ser eleitos em assembleia geral como o tem sido o senhor Pinto da Costa, no Futebol Clube do Porto, nos últimos vinte e tal anos.

Em termos de facto, como se sabe, o Estado nem sequer está exangue. Pura e simplesmente não existe. De forma que a assembleia geral de uma empresa pública não passa de um juvenil acto de masturbação de que não resultam filhos como cristãmente preconizava o ex-deputado, senhor João Morgado, apreciador da castidade e da poesia da D. Natália Correia. O ministro dito da tutela, como figura que vela pela segurança e acautela a inclinação fatal para o disparate, nomeia os administradores. Não segundo critérios que se compreendam e aceitem, mas de acordo com a devoção com que cada um deles se tenha empenhado na marcha do partido para o poder, no apadrinhamento dos filhos ou mesmo na mais evidente dependência do salário mínimo, do rendimento mínimo garantido, do rendimento mínimo de inserção ou do rendimento mínimo garantido. Para o sustento do próprio, dos descendentes e ascendentes, em linha directa ou colateral, incluindo primos e primas em décimo quinto grau.

Foi nesta atmosfera que os Correios realizaram ontem uma assembleia geral para eleição do novo conselho de administração, presidido pelo senhor Luís Nazaré. E libertando dos escombros a parda competência do senhor Carlos Horta e Costa, portador na lapela de um emblema com os apelidos, inventor do correio verde em homenagem ao Sporting do seu coração e à memória, sempre eterna, do falecido José Travassos. Criador das lojas como a que se pode visitar nos Restauradores e onde, a par dos livros da D. Margarida Rebelo Pinto, se podem encontrar detergentes para a louça, rolos de papel para uso nas casas de banho ou atrás das moitas, filmes em DVD que funcionem como motor de arranque para qualquer engate de circunstância. E, pasme-se, até mesmo selos comemorativos dos cem anos do Museu Nacional dos Coches.

A assembleia geral, como acto solene, realizou-se pelas 19:30 horas na Sede da empresa, à Rua de S. José. Um amanuense pertencente aos quadros do ministério da tutela apresentou-se no local, com ligeiro atraso, envergando o seu melhor fato domingueiro e trazendo numa pequena pasta de pele genuína a credencial do ministro que o mandatava para o acto. Foi recebido com aplausos, ainda mais intensos devido à fresca lembrança de que o Benfica ganhara o campeonato. Apresentou-se aos presentes e a si próprio, nomeou-se presidente e secretário da mesa, preencheu todos os pontos da ordem de trabalhos, incluindo os de antes da ordem do dia. Votou secretamente para se não sentir coibido pelo voto de braço no ar, procedeu à contagem e proclamou vencedor, por unanimidade, aclamação e despacho do ministro o senhor Luís Nazaré e seus coadjuvantes.

Depois disto longa vida se deseja ao camarada Mao Zedong. Eterna, já se vê, mesmo que este a recuse. A peça, entretanto, há-de seguir dentro de momentos. Com a interpretação a cargo de conhecidas competências como as que foram descobertas para a exploração dos petróleos…

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