11 de agosto de 2005

Discussão pública

A banhos algures numa praia do sotavento, o ministro Mário Lino, entre um mergulho na maré baixa e uma exposição solar besuntado com bronzeador, parece ter afirmado que nenhum projecto teve a extensão e a profundidade da discussão pública do chamado aeroporto da Ota. Coisa de que, não sendo Mário Lino nem socialista nem ministro, o Zé povinho se não apercebeu. Mas, com o devido respeito pelo que restará das ossadas de José Estaline e pelas remotas recordações do sarrafo que usava o homónimo defesa direito do Sporting, Mário Lino trouxe ao velho partido do jovem Mário Soares uma evidente mais valia. A que decorre do exercício da democracia pela interposta prática da ditadura, uma tendência a que não consegue fugir nenhum político profissional que se preze, por mais liberal ou renovador que se diga.

De qualquer modo, e contrariamente ao que afirmou sobre os custos do Metro do Porto - em que se não verificam nem derrapagens nem desvios! - o ministro tem razão. A canícula, os incêndios e os discursos do ministro Costa levam-nos ao desespero e ao raciocínio perturbado de uma arteriosclerose terminal. Tanto assim é que a semana passada foi possível ver bombeiros desesperados, sem o apoio de meios aéreos e sem água que pingasse das mangueiras, discutindo empenhadamente o aeroporto da Ota, as reservas de petróleo no Beato e o início das ligações aéreas regulares entre Lisboa e Nairobi. Por mim, acidentalmente, dei por alguns sem-abrigo bebendo cervejas às nove da manhã enquanto, com entusiasmo, discutiam a baixa do preço da Superbock que certamente decorrerá do dito aeroporto da Ota, das corridas de calhambeques que Rui Rio ultimamente promove no Castelo do Queijo e das previsões premonitórias de Vasco Pulido Valente no boletim oficial da Sonae. Até no embarque numa camioneta que as levasse à praia da Memória, crianças de um infantário discutiam o tamanho do pão com marmelada, a necessidade do aeroporto da Ota e a libertação de adrenalina na prática do parapente.

Até o major Loureiro, comedido no tamanho e no discurso, recordou heróicas passagens das guerras de África, fez o sinal da cruz quando se referiu ao Metro do Porto cuja gestão tem sido tão exemplar como o futebol da superliga e asseverou que o aeroporto da Ota permitirá a distribuição de muito mais galinhas aos potenciais eleitores das próximas autárquicas e a subida do Gondomar à liga de honra, mesmo sem o contributo do apito dourado. E sem a filiação partidária que se exige a cada um dos concorrentes, beneficie ou não do patrocínio de Marques Mendes.

As mulheres a dias, promovidas a empregadas domésticas por força do 25 de Abril, influenciadas pelas previsões infalíveis da astróloga Maya, gozando de direito a férias e respectivo subsídio com excursões às Caraíbas em voos de baixo custo, protelaram a revisão dos honorários e as indispensáveis reuniões nos sindicatos. Alteraram destinos e compareceram em peso na praça da revolução para um dos sermões do el comandante e regressaram tisnadas mas na dúvida sobre a influência que o portuguesíssimo aeroporto da Ota poderá vir a ter na caminhada irreversível para o socialismo, para a democratização do Iraque e para a descida do preço do petróleo.

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