Fátima, ontem!
Ontem de manhã Fátima era um caudal de gente. Escorrendo, lento e viscoso, por todas as ruas sob uma canícula de mais de trinta graus, pouco depois das dez horas. Todos os peregrinos de misturavam no estranho folclore do regresso para férias, todas as religiões procuravam o mesmo refúgio à sombra das árvores que ladeiam o recinto. Tudo se vendia e tudo se comprava.
De terços para benzer, de madeira a madrepérola, Senhoras de Fátima de tamanhos e preços variados. Santos Antónios, de menino ao colo e hábito longo, sem nenhum cordel infame que lhes pudesse ser puxado pelas costas. Cauteleiros apregoando lotaria, popular ou clássica, ao preço das possibilidades de cada um e à medida das suas reais necessidades ou ambições. Ciganas de tez morena, cabelos compridos e roupas escuras lendo sinas, vendendo almanaques, Borda d'Água e Seringador. Cegos apoiados em bengalas, tinindo moedas de euro na lata destinada às esmolas esperadas, com segurança prudentemente reforçada por um cadeado comprado num loja dos trezentos. Barracas vendendo recordações e souvenirs e o mais que lhes chamam noutros dialectos dessa Europa por aí fora que não sei.
Velas de pôr a arder na manhã sem vento, vendidas ao preço do que se quiser dar e ainda a metro, de vinte centímetros à altura de uma tabela de basquetebol. Brinquedos artesanais feitos de madeira, coloridos como a romaria, de raparigas de blusas escarlates, barriga à mostra, dragão tatuado ao fundo das costas, os seios erectos nesta adoração ao sol que queima. Memórias que a Irmã Lúcia não escreveu e que, sob a azinheira, apareceram feitas livro. Santos, santinhos, pedintes espojados a todas as entradas e ladrões na mira do bolso onde a carteira tenha acoito.
Esplanadas cheias, cerveja jorrando por goelas secas fora das horas a que se recomenda vender álcool. Cachecóis do Benfica, fotografias dos três pastorinhos, camisolas do Cristiano Ronaldo, desenhos de Bordallo, canecas das Caldas, orações impressas, incensos para males de amor e extermínio de ratos. Água benta, como dantes, ao litro e ao quartilho. Restaurantes e tabernas de mesas postas, tendas montadas à sombra das azinheiras, caldeiradas de cabrito feitas em equipamentos de campismo. O suor, viscoso como a multidão, escorrendo pelos rostos, à mistura com o vinho que empurra o picante e a feijoada.
Impávida e serena a Senhora de Fátima exposta em montras e passeios, de tamanhos e materiais diversos, mantendo-se neutra, sem cachecóis ao pescoço e sem camisolas vestidas. A Cova da Iria é uma festa. A par com gente que caminha de joelhos, cumprindo promessas, a Ave Maria é recitada do altar em todas as línguas, de ocidente a oriente, de português a polaco. A peregrinação dá em desfile de automóveis novos, topo de gama, com matriculas estrangeiras, ar condicionado e ABS. E em negócio santo e santificado para tudo e para todos, com pessoas a falar francês de Aljustrel e português de não sei quê sur Marne. Ontem foi a do emigrante!
De terços para benzer, de madeira a madrepérola, Senhoras de Fátima de tamanhos e preços variados. Santos Antónios, de menino ao colo e hábito longo, sem nenhum cordel infame que lhes pudesse ser puxado pelas costas. Cauteleiros apregoando lotaria, popular ou clássica, ao preço das possibilidades de cada um e à medida das suas reais necessidades ou ambições. Ciganas de tez morena, cabelos compridos e roupas escuras lendo sinas, vendendo almanaques, Borda d'Água e Seringador. Cegos apoiados em bengalas, tinindo moedas de euro na lata destinada às esmolas esperadas, com segurança prudentemente reforçada por um cadeado comprado num loja dos trezentos. Barracas vendendo recordações e souvenirs e o mais que lhes chamam noutros dialectos dessa Europa por aí fora que não sei.
Velas de pôr a arder na manhã sem vento, vendidas ao preço do que se quiser dar e ainda a metro, de vinte centímetros à altura de uma tabela de basquetebol. Brinquedos artesanais feitos de madeira, coloridos como a romaria, de raparigas de blusas escarlates, barriga à mostra, dragão tatuado ao fundo das costas, os seios erectos nesta adoração ao sol que queima. Memórias que a Irmã Lúcia não escreveu e que, sob a azinheira, apareceram feitas livro. Santos, santinhos, pedintes espojados a todas as entradas e ladrões na mira do bolso onde a carteira tenha acoito.
Esplanadas cheias, cerveja jorrando por goelas secas fora das horas a que se recomenda vender álcool. Cachecóis do Benfica, fotografias dos três pastorinhos, camisolas do Cristiano Ronaldo, desenhos de Bordallo, canecas das Caldas, orações impressas, incensos para males de amor e extermínio de ratos. Água benta, como dantes, ao litro e ao quartilho. Restaurantes e tabernas de mesas postas, tendas montadas à sombra das azinheiras, caldeiradas de cabrito feitas em equipamentos de campismo. O suor, viscoso como a multidão, escorrendo pelos rostos, à mistura com o vinho que empurra o picante e a feijoada.
Impávida e serena a Senhora de Fátima exposta em montras e passeios, de tamanhos e materiais diversos, mantendo-se neutra, sem cachecóis ao pescoço e sem camisolas vestidas. A Cova da Iria é uma festa. A par com gente que caminha de joelhos, cumprindo promessas, a Ave Maria é recitada do altar em todas as línguas, de ocidente a oriente, de português a polaco. A peregrinação dá em desfile de automóveis novos, topo de gama, com matriculas estrangeiras, ar condicionado e ABS. E em negócio santo e santificado para tudo e para todos, com pessoas a falar francês de Aljustrel e português de não sei quê sur Marne. Ontem foi a do emigrante!
1 Comentários:
Excelente, como sempre :)
(Se não foram os "pop-ups" este seria, sem dúvida o blog mais lido, ao menos por mim) :-)
Um abraço
AMNM
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