Dia mundial da poesia
A
poesia não se escreve, não se diz, não se soletra. A poesia acontece. E não
acontece hoje porque a Unesco assim o decidiu em novembro de 1999. A poesia
está connosco antes de sermos feto, apenas óvulo ou espermatozóide iniciando-se
nos carreiros da vida, acontecendo antes de acontecer. Acompanha-nos quando
nascemos, no conforto caro de uma casa de saúde, na vulgaridade de uma
maternidade, na imensidão de uma savana de África. Onde a poesia acontece com
todos os animais no seu habitat, convivendo sob a extensão sem limites que o
sol estende como tapete comum, à beira dos rios, no silêncio dos lagos, na
areia escaldante dos desertos.
Não
se é poeta porque se quer, porque se conseguiu um editor, porque dois leitores
que nos não percebem nos são caninamente fiéis. Porque vida de poeta é vida de
cão, de meter o rabo entre as pernas e ir por aí, recusando o caminho para o
aceitar logo de seguida. Poesia é métrica, é rima, é verso, estrofe, uma série
de conceitos com que os poetas se não preocupam e com que convivem sem se darem
conta. Poeta não tem nome, mesmo que se chame Camões, Pessoa, Andrade,
Ferreira, Aleixo, Campos, Natália, Bandeira, Alegre, Régio, Sofia. A poesia
jorra, como o vinho que se bebe, a aguardente que arde na garganta, o Guardador de Rebanhos que se espalha pelas
folhas de papel que se soltam da memória e se arrumam no vazio das gavetas.
Poesia
não é sentimento, nem calendário, nem dia certo, nem noite de lua cheia com
namorados ao luar sem verem a poesia do eclipse e a sonharem com a poesia da
lua nova. Poesia não é livro, jornal, internet ou rede social. Não é Villaret,
Viegas, ramo de oliveira, revolta, religião ou prece. Oração ou santuário,
sacristão, padre, bispo ou papa. Freguesia, concelho, país amordaçado, cântico
heroico, percurso épico. Não é para comer, beber, petiscar, palitar os dentes,
piscar o olho. E come-se e bebe-se e petisca-se e sente-se. E entranha-se como
um tumor com que se morre e com que se vive, que se extrai e que se renova. Não
é de hoje, nem de ontem, nem de amanhã. Nem deste século, nem do outro, nem de
sempre. Mas de sempre e de todos os dias.
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