Sinal vermelho
Até
há dois ou três dias atrás não se sabia e nem se suspeitava sequer que relação
poderia haver entre um semáforo vermelho, um rapaz de motorizada e um polícia
armado. E afinal há, e estreita. Tanto, que é por demais quimicamente explosiva,
se as três coisas se vierem a localizar simultaneamente num raio de alguns 50
metros ou pouco mais.
Primeiro
um rapaz de motorizada, mesmo velha, resiste mais facilmente a uma garina
virgem de 15 anos do que a um semáforo vermelho. É ver-lhe a cor e atira-se-lhe
para cima, salvo seja, e não se façam comparações com a garina. E um polícia
armado tem por um rapaz de motorizada que se atira a um semáforo vermelho a
mesma fatal atração daquele pelo semáforo. E tanto assim que saca do canhangulo
que trás à cintura e desata a disparar para o ar como se o Benfica tivesse
acabado de ganhar o campeonato. Para festejar? Não, muito apenas para avisar o
rapaz que lá porque o semáforo tem a cor do clube, os semáforos vermelhos devem
deixar-se tranquilamente em paz, sem os assediar, como se faz às garinas de 15
anos e minisaia.
Pior
é quando o canhangulo, herdado da guerra de 1914-18, ainda funciona e dispara
mesmo. Embora um tiro para o ar possa desviar a trajetória – parece que a
balística explica isso! – e ir direitinho se não ao corpo do rapaz, pelo menos
à lataria da chocolateira. E este, com a atrapalhação da minisaia da garina, do
rubro do semáforo e do estampido do tiro, se despista e dá com os cornos num
bloco ou num passeio de cimento. E acaba por deixar os miolos espalhados pela
via pública e vai desta para melhor.
Explicação
mais surrealista do que disparar para o ar, para avisar um rapaz de motorizada
que não se passa com o sinal vermelho, só poderia vir do saudoso Mário
Cesariny. Mas este mudou-se, onde ele está os telemóveis não têm rede e não há
sacana de tiro de aviso que lhe chegue. A menos que ainda tenha sobrado uma
munição ao senhor polícia e este esteja na disposição de a disparar para os
pés. A ver se a balística a leva para o céu e o senhor Cesariny ouve o disparo e dá à explicação uma forma
que possa ser digna de um surrealista a sério, como ele ou o senhor António
Maria Lisboa! Apenas porque é preciso avisar toda a gente!
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