O puro prazer da descoberta
Na
penumbra da noite há estrelinhas longínquas cujo brilho entra de mansinho pelas
frestas das persianas que o tempo quente aconselhou a deixar entreabertas, à
procura de uma qualquer brisa que refresque o sono. Dormes tranquila e
silenciosa, o corpo esticado sobre a cama, decúbito dorsal, como se o fresco
que se espera pudesse chegar mais fácil e mais rápido. Contemplo-te com os
olhos quietos de quem vê um sonho e o sente tão próximo, ao alcance do olfato,
sentindo-te todos os cheiros. Imagino por onde te viajam os percursos noturnos,
o que te preenche os pensamentos subconscientes e íntimos, o véu de tule, suave
na cor e indiscreto no segredo, que te não esconde o corpo repousado e te aumenta
o encanto em que não pensas e que a ausência de luz mais acentua.
É
de puro e fino veludo todo o corpo que abandonas ao tempo de repouso. Assim quero
que seja o tacto das minhas mãos, para que te toquem e te percorram num lento
ritual de descoberta e de prazer, passo a passo, cada pequenino tesouro de ti,
cada minúsculo suspiro que te escape, cada bocadinho de vida que vem no suave
movimento do ar que respiras a compasso. A medo te descubro um pé, pequeno e
frágil, que não sente sequer a ansiedade que me faz estremecer os dedos
cautelosos e que tomo em minhas mãos como se segurasse uma preciosidade ainda
maior do que tu, como se fosse possível que ela existisse para além de ti.
Percorro-te
o corpo sem itinerário e sem destino certos, sem mapa e sem instrumentos de
navegação, contornando-te cada curva, subindo cada promontório, cada pequeno
montinho, procurando cada mais pequeno e recôndito ponto onde se te resguardem
os grandes segredos que proteges. Descubro-to como se fosses só especiarias, o
aroma doce da canela, todas as caravelas nas pontas dos meus dedos, velas
pandas, à procura da rota que leve à Índia, cabo da boa esperança, como se ali,
por fim, fosse a entrada final para o céu. À sombra de todos os gestos, todo o
diálogo é apenas um, no silêncio com que nos olhamos e nos sentimos, tão
cúmplices no abraço forte que nos junta, as tuas mãos seguras atrás das costas.
E na música celestial que compomos num perfeito desempenho a quatro mãos. Enquanto
a imaginação viaja à aventura no puro prazer da descoberta e, quase de repente,
nos sentimos ambos a chegar ao paraíso!
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial