Pneumotórax
Trinta e três é um número
mágico, mesmo que se não aprenda na escola e não conste da tabuada, um conjunto
arcaico de tabelas numa oficina gráfica que em tempos remotos substituiu as
tecnologias e as folhas de cálculo e que ajudavam crianças e adultos a aprender
as operações aritméticas básicas, a somar cinco mais sete doze, como a
multiplicar sete vezes oito cinquenta e seis. Por mim, sempre trouxe o trinta e
três no bolso das calças e o trinta e um no cocuruto da cabeça e não o
contrário e só o último me deu problemas, talvez por ser número primo e eu não
saber, que não me interessa a família de nada nem de ninguém. Trinta e três
traz consigo a sugestão de um conjunto de coisas fatalmente ocasionais como a
terminação dos números da lotaria, o número da porta da morada da rapariga mais
bonita do bairro, o tamanho dos sapatos que não servem a ninguém e o número do
autocarro que não tem destino.
Trinta e três era a idade de
Jesus Cristo, que eu não conheci e que não tinha nenhum documento de identificação,
nem que fossem contadas todas as contas do mais longo rosário. Com mais doze
apóstolos eram treze à mesa. E treze são trinta e três menos duas dezenas,
coisa surpreendente e rara. E treze foi o meu número numa qualquer turma do
ensino secundário, sendo que treze não era nem boa nem má nota, quer dizer era
assim-assim e pronto. Trinta e três sugere ainda pneumotórax e, obviamente,
medicina e génio poético, métrica, rima, cantares de amigo. Quer dizer, muito
mais génio poético, com cabral à procura da índia navegando para ocidente.
Bendito ocidente a partir de onde tão largos passos têm percorrido mundo e tão
curtos outros têm dormido no arejo das salas do palácio da alvorada.
É preciso avisar toda a
gente, marcar bilhete e arranjar avião ou barco ou comboio que me leve até
pasárgada para lá ser amigo do rei e montar um burro brabo e ser feliz.
Bandeira foi tudo e mais do que isso, depois que criou o reino e subiu as
escadas para ser mais rei do que súbdito, mais amigo de todos e meu também,
sacudindo a poeira dos olhos e a inércia das estantes, tantas luas passadas à
espera de cumprir meu ideal e construir um império colonial tijolo a tijolo,
sempre burro para ser mais sólido. E escrever pneumotórax nas paredes para
ficar para sempre, para as escavações futuras, quando a arqueologia chegar a um
qualquer sítio soterrado, meia dúzia de quilómetros a sul do rio leça que nasce
numa serra peninsular e que desagua a norte de mértola.
PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispnéia e
suores noturnos.
A vida inteira que podia ter
sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta
e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
...................................................................................................
— O senhor tem uma escavação
no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é
possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer
é tocar um tango argentino.
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