16 de abril de 2020

Pneumotórax


Trinta e três é um número mágico, mesmo que se não aprenda na escola e não conste da tabuada, um conjunto arcaico de tabelas numa oficina gráfica que em tempos remotos substituiu as tecnologias e as folhas de cálculo e que ajudavam crianças e adultos a aprender as operações aritméticas básicas, a somar cinco mais sete doze, como a multiplicar sete vezes oito cinquenta e seis. Por mim, sempre trouxe o trinta e três no bolso das calças e o trinta e um no cocuruto da cabeça e não o contrário e só o último me deu problemas, talvez por ser número primo e eu não saber, que não me interessa a família de nada nem de ninguém. Trinta e três traz consigo a sugestão de um conjunto de coisas fatalmente ocasionais como a terminação dos números da lotaria, o número da porta da morada da rapariga mais bonita do bairro, o tamanho dos sapatos que não servem a ninguém e o número do autocarro que não tem destino.

Trinta e três era a idade de Jesus Cristo, que eu não conheci e que não tinha nenhum documento de identificação, nem que fossem contadas todas as contas do mais longo rosário. Com mais doze apóstolos eram treze à mesa. E treze são trinta e três menos duas dezenas, coisa surpreendente e rara. E treze foi o meu número numa qualquer turma do ensino secundário, sendo que treze não era nem boa nem má nota, quer dizer era assim-assim e pronto. Trinta e três sugere ainda pneumotórax e, obviamente, medicina e génio poético, métrica, rima, cantares de amigo. Quer dizer, muito mais génio poético, com cabral à procura da índia navegando para ocidente. Bendito ocidente a partir de onde tão largos passos têm percorrido mundo e tão curtos outros têm dormido no arejo das salas do palácio da alvorada.

É preciso avisar toda a gente, marcar bilhete e arranjar avião ou barco ou comboio que me leve até pasárgada para lá ser amigo do rei e montar um burro brabo e ser feliz. Bandeira foi tudo e mais do que isso, depois que criou o reino e subiu as escadas para ser mais rei do que súbdito, mais amigo de todos e meu também, sacudindo a poeira dos olhos e a inércia das estantes, tantas luas passadas à espera de cumprir meu ideal e construir um império colonial tijolo a tijolo, sempre burro para ser mais sólido. E escrever pneumotórax nas paredes para ficar para sempre, para as escavações futuras, quando a arqueologia chegar a um qualquer sítio soterrado, meia dúzia de quilómetros a sul do rio leça que nasce numa serra peninsular e que desagua a norte de mértola.


PNEUMOTÓRAX

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
...................................................................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

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