23 de setembro de 2025

O Estado da Palestina

Depois de grandes hesitações e adiamentos o governo do país acabou a reconhecer o estado da Palestina, pela voz frouxa e vacilante do ministro dos negócios estrangeiros, contrito como humilde Madalena arrependida. O primeiro ministro achou por bem demarcar-se da questão, resguardando-se a coberto do reposteiro puído de uma qualquer avença ou de um outro arranjinho qualquer, não fosse a exposição prejudicar-lhe a eleição para a junta de freguesia. Mesmo assim levantaram-se vozes contra, como a do ocupadíssimo ministro Melo, dedicado a tempo inteiro ao armamento da sua tropa fandanga e à tarefa ingente da patriótica reconquista de Olivença, há anos perdida sob domínio do maligno e porco castelhano, de onde não sopra nem bom vento nem se espera casamento limpo e próspero.

Por mim, que persisto na intenção de recolher informação e usar a razão, reafirmo a convicção de que o reconhecimento peca por tardio, muito tardio, depois de em 1947 a resolução das Nações Unidas ter aprovado a solução dos dois estados e de Israel, unilateralmente, ter proclamado a independência antes de terminado o mandato britânico sobre a região. E duvido do alcance efetivo da decisão em que, como se sabe, Portugal não avançou corajosamente, à margem da opinião fosse de quem fosse. Porque a decisão não irá, para mal da Palestina e da justiça que lhe é devida, além do simbolismo inútil e inconsequente.

Entretanto esta estrumeira a que chamam rede social, seja lá isso aquilo que for, e que não é mais que o pródigo esgoto que faz subir a conta bancária do senhor Zuckerberg, encheu-se desde logo do discurso de ódio, ignorante e grunho. De gente que, para lá dos títulos, nunca foi à escola e nunca leu um livro, apesar de dar aulas e escrever romances. Por isso, sem alterar nada e nem sequer ajustar a redação às circunstâncias, transcrevo, literalmente, uma publicação aqui feita em ápoca anterior. Pode ter alguma utilidade se atentarem nas disposições que lá se referem. Leiam-na, vão à procura dos instrumentos referidos, procurem-nos, informem-se. Não falem como papagaios. Não digam o que não sabem.

 

[9 de Dezembro de 2023]

Duas linhas sobre a Palestina

Antes de começar, deixem-me declarar que não compreendo e não aceito a violência como forma de resolução de qualquer diferendo, seja ele qual for. Se a isso entenderem chamar pacifismo, aceito o rótulo sem hesitação e sem reservas, de forma absoluta.

A 7 de Outubro passado o Hamas desencadeou uma operação de terror, de grande alcance, sobre territórios, pessoas e bens sob domínio de Israel. Matou, feriu, raptou, destruiu. A operação é obviamente condenável, sem considerandos e sem condições. Mais do que isso, reserva-se mesmo ao estado agredido o direito à defesa e à resposta. Embora possa todavia perguntar-se como foi possível planificar e executar uma acção de tal envergadura, nas barbas e sem conhecimento da inteligência israelita, considerada das mais capazes e eficientes do mundo.

Alguns dias depois o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, apelou à contenção e afirmou que, apesar de tudo, tal acto de terror não nascera no vácuo. Não fosse o seu cargo e algum esvaziado prestígio que ainda se lhe associa e certamente ele teria sido sumariamente executado ao dobrar de uma esquina em ruinas. Assim Israel teve de limitar-se a exigir a sua demissão, a recusar vistos a funcionários daquela instituição e, por fim, a remeter-se ao silêncio sobre o assunto.

Todavia seria aconselhável que recuássemos um pouco no tempo e colhêssemos alguma informação sobre a Palestina. Por exemplo, ao fim da primeira guerra mundial e à entrega daquele território ao mandato britânico em 1922, pela Sociedade das Nações, percussora das Nações Unidas. E, depois disso, ao anúncio britânico, em 1947, de que abandonaria o território e deixaria às Nações Unidas a decisão sobre o seu futuro. E, ainda, à criação consequente, no mesmo ano, do Comité Especial das Nações Unidas para a Palestina. Este comité apresentou dois relatórios, um deles preservando a unidade territorial dotando Jerusalém de um estatuto especial e outro, que colheu maior número de apoios, defendendo a partilha em dois estados, um árabe e outro judeu.

É neste contexto que é aprovada, em 29 de Novembro de 1947, a resolução 181 das Nações Unidas, conhecida como Plano de Partição da Palestina, desenhado no abrigo dos gabinetes, sobre a mesa de negociações, ao arrepio das populações residentes e interessadas e que viria a ter os resultados catastróficos que ainda hoje persistem sem fim à vista. No meio de uma guerra não declarada, ainda sob o mandato britânico, a poucas horas do fim deste, em 14 de Maio de 1948, é autoproclamado o estado de Israel e, em consequência, uma grande parte da população palestiniana é expulsa de suas casas e passa ao regime de refugiada.

Em Dezembro de 1948, em contexto de guerra israelo-árabe, é aprovada nova resolução, estabelecendo o direito de retorno dos refugiados palestinianos e as Nações Unidas virão a encarregar-se da supervisão dos diversos acordos do armistício entre Israel e a Jordânia. Síria, Líbano e Egipto.

Em 1967, no seguimento da chamada guerra dos seis dias, é aprovada a resolução 242 estabelecendo a inadmissibilidade de aquisição de território em resultado da guerra e estabelecendo a obrigatoriedade da retirada de Israel dos territórios ocupados, não cumprida até aos dias de hoje, embora estes princípios tenham sido reforçados em 1973, através da resolução 338.

Em 1977 a Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo a ocupação da Palestina por Israel e o direito do povo palestino à autodeterminação, recomenda o dia 29 de Novembro como o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. Em 1988 o Conselho Nacional Palestino aprova em Argel a declaração de independência da Palestina, aceitando implicitamente o estado de Israel e a partilha do território em dois estados. Em 1993 os acordos de Oslo permitiram uma breve nesga de esperança que rapidamente se desvaneceu.

Agora, no seguimento dos acontecimentos de 7 de Outubro, que se devem condenar frontalmente e sem subterfúgios, deve também reconhecer-se a Israel o direito de se defender. Devendo contudo entender-se que esse direito não pode compreender rechaçar o agressor, persegui-lo, invadir-lhe a casa, matar-lhe a família e os vizinhos, destruir-lhe a habitação e privá-lo dos mais básicos direitos de subsistência e de dignidade. Ou seja, extinguir-lhe a raça, expurgá-la da superfície do planeta. Ontem a civilização humana foi afundada de todo nas Nações Unidas, não a sempre invocada civilização ocidental, mas a civilização em sentido lato, decorrente de toda a evolução da espécie, desde o australopithecus. Com o seu incompreensível e inaceitável direito de veto os Estados Unidos da América associaram-se ao mais evidente crime contra a humanidade: o genocídio do povo palestino.

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