O Estado da Palestina
Depois de grandes hesitações e adiamentos o governo do país acabou a reconhecer o estado da Palestina, pela voz frouxa e vacilante do ministro dos negócios estrangeiros, contrito como humilde Madalena arrependida. O primeiro ministro achou por bem demarcar-se da questão, resguardando-se a coberto do reposteiro puído de uma qualquer avença ou de um outro arranjinho qualquer, não fosse a exposição prejudicar-lhe a eleição para a junta de freguesia. Mesmo assim levantaram-se vozes contra, como a do ocupadíssimo ministro Melo, dedicado a tempo inteiro ao armamento da sua tropa fandanga e à tarefa ingente da patriótica reconquista de Olivença, há anos perdida sob domínio do maligno e porco castelhano, de onde não sopra nem bom vento nem se espera casamento limpo e próspero.
Por mim, que persisto na
intenção de recolher informação e usar a razão, reafirmo a convicção de que o
reconhecimento peca por tardio, muito tardio, depois de em 1947 a resolução das
Nações Unidas ter aprovado a solução dos dois estados e de Israel,
unilateralmente, ter proclamado a independência antes de terminado o mandato
britânico sobre a região. E duvido do alcance efetivo da decisão em que, como
se sabe, Portugal não avançou corajosamente, à margem da opinião fosse de quem
fosse. Porque a decisão não irá, para mal da Palestina e da justiça que lhe é
devida, além do simbolismo inútil e inconsequente.
Entretanto esta estrumeira a
que chamam rede social, seja lá isso aquilo que for, e que não é mais que o
pródigo esgoto que faz subir a conta bancária do senhor Zuckerberg, encheu-se
desde logo do discurso de ódio, ignorante e grunho. De gente que, para lá dos
títulos, nunca foi à escola e nunca leu um livro, apesar de dar aulas e
escrever romances. Por isso, sem alterar nada e nem sequer ajustar a redação às
circunstâncias, transcrevo, literalmente, uma publicação aqui feita em ápoca
anterior. Pode ter alguma utilidade se atentarem nas disposições que lá se
referem. Leiam-na, vão à procura dos instrumentos referidos, procurem-nos,
informem-se. Não falem como papagaios. Não digam o que não sabem.
[9 de Dezembro de 2023]
Duas linhas sobre a
Palestina
Antes de começar, deixem-me
declarar que não compreendo e não aceito a violência como forma de resolução de
qualquer diferendo, seja ele qual for. Se a isso entenderem chamar pacifismo,
aceito o rótulo sem hesitação e sem reservas, de forma absoluta.
A 7 de Outubro passado o
Hamas desencadeou uma operação de terror, de grande alcance, sobre territórios,
pessoas e bens sob domínio de Israel. Matou, feriu, raptou, destruiu. A
operação é obviamente condenável, sem considerandos e sem condições. Mais do
que isso, reserva-se mesmo ao estado agredido o direito à defesa e à resposta.
Embora possa todavia perguntar-se como foi possível planificar e executar uma
acção de tal envergadura, nas barbas e sem conhecimento da inteligência
israelita, considerada das mais capazes e eficientes do mundo.
Alguns dias depois o
secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, apelou à
contenção e afirmou que, apesar de tudo, tal acto de terror não nascera no
vácuo. Não fosse o seu cargo e algum esvaziado prestígio que ainda se lhe
associa e certamente ele teria sido sumariamente executado ao dobrar de uma
esquina em ruinas. Assim Israel teve de limitar-se a exigir a sua demissão, a
recusar vistos a funcionários daquela instituição e, por fim, a remeter-se ao
silêncio sobre o assunto.
Todavia seria aconselhável
que recuássemos um pouco no tempo e colhêssemos alguma informação sobre a
Palestina. Por exemplo, ao fim da primeira guerra mundial e à entrega daquele
território ao mandato britânico em 1922, pela Sociedade das Nações, percussora
das Nações Unidas. E, depois disso, ao anúncio britânico, em 1947, de que
abandonaria o território e deixaria às Nações Unidas a decisão sobre o seu
futuro. E, ainda, à criação consequente, no mesmo ano, do Comité Especial das
Nações Unidas para a Palestina. Este comité apresentou dois relatórios, um
deles preservando a unidade territorial dotando Jerusalém de um estatuto
especial e outro, que colheu maior número de apoios, defendendo a partilha em
dois estados, um árabe e outro judeu.
É neste contexto que é
aprovada, em 29 de Novembro de 1947, a resolução 181 das Nações Unidas,
conhecida como Plano de Partição da Palestina, desenhado no abrigo dos
gabinetes, sobre a mesa de negociações, ao arrepio das populações residentes e
interessadas e que viria a ter os resultados catastróficos que ainda hoje
persistem sem fim à vista. No meio de uma guerra não declarada, ainda sob o
mandato britânico, a poucas horas do fim deste, em 14 de Maio de 1948, é
autoproclamado o estado de Israel e, em consequência, uma grande parte da
população palestiniana é expulsa de suas casas e passa ao regime de refugiada.
Em Dezembro de 1948, em
contexto de guerra israelo-árabe, é aprovada nova resolução, estabelecendo o
direito de retorno dos refugiados palestinianos e as Nações Unidas virão a
encarregar-se da supervisão dos diversos acordos do armistício entre Israel e a
Jordânia. Síria, Líbano e Egipto.
Em 1967, no seguimento da
chamada guerra dos seis dias, é aprovada a resolução 242 estabelecendo a
inadmissibilidade de aquisição de território em resultado da guerra e
estabelecendo a obrigatoriedade da retirada de Israel dos territórios ocupados,
não cumprida até aos dias de hoje, embora estes princípios tenham sido
reforçados em 1973, através da resolução 338.
Em 1977 a Assembleia Geral
das Nações Unidas, reconhecendo a ocupação da Palestina por Israel e o direito
do povo palestino à autodeterminação, recomenda o dia 29 de Novembro como o Dia
Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. Em 1988 o Conselho
Nacional Palestino aprova em Argel a declaração de independência da Palestina,
aceitando implicitamente o estado de Israel e a partilha do território em dois
estados. Em 1993 os acordos de Oslo permitiram uma breve nesga de esperança que
rapidamente se desvaneceu.
Agora, no seguimento dos
acontecimentos de 7 de Outubro, que se devem condenar frontalmente e sem
subterfúgios, deve também reconhecer-se a Israel o direito de se defender.
Devendo contudo entender-se que esse direito não pode compreender rechaçar o
agressor, persegui-lo, invadir-lhe a casa, matar-lhe a família e os vizinhos,
destruir-lhe a habitação e privá-lo dos mais básicos direitos de subsistência e
de dignidade. Ou seja, extinguir-lhe a raça, expurgá-la da superfície do
planeta. Ontem a civilização humana foi afundada de todo nas Nações Unidas, não
a sempre invocada civilização ocidental, mas a civilização em sentido lato,
decorrente de toda a evolução da espécie, desde o australopithecus. Com o seu
incompreensível e inaceitável direito de veto os Estados Unidos da América
associaram-se ao mais evidente crime contra a humanidade: o genocídio do povo
palestino.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial