8 de dezembro de 2003

O Sr Narciso dá à costa passadas três semanas

Como todos os dias os jornais presenteiam-nos hoje, apesar de ser dia santo, com o habitual conjunto de tragédias sem o qual, honestamente, nem sentimos a auto-estima em cima nem quase nos orgulhamos de descendermos de el-rei D. Afonso Henriques, nosso senhor. Que, para nosso bem, varreu à espadeirada aquilo que lhe foi possível, enquanto lhe não faltaram as forças e se finou. Mas hoje há ainda mais uma tragédia, embora com o requinte da linguagem de comentador da SIC e de dimensão regional. E como a regionalização, em termos políticos, é como o aborto - porque ambos foram sacrificados no referendo, lembram-se? - o poder central acha que o problema não existe. Mas existe.

Em Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos, há uma piscina que é obra do arquitecto Siza Vieira e que desde sempre foi conhecida exactamente por piscina de Leça, Mas o nome oficial, mais fino, é piscina das marés. Há três semanas, pelos vistos, a piscina foi assaltada e dela foram retiradas peças de cobre de reduzida dimensão, algumas com apenas três metros de altura. Naturalmente que ninguém deu por ela, coisas tão pequenas dificilmente poderiam ser vistas a olho nu. Mais adiante, quando se caminha para norte, junto ao farol da Boa Nova, alguém pode muito bem levar a estátua do Sr António Nobre que por ali passou algumas das suas horas contemplando o oceano e ensaiando as suas rimas e o resultado seria o mesmo.

Ontem, apenas três semanas depois, o Sr Narciso visitou o local e, como se fosse o Dr Santana ou o Dr Carrilho a responder ao Sr Rodrigo de Carvalho, disse sentir-se profundamente chocado e indignado. E adiantou mesmo que alguma coisa estava muito mal em matéria de segurança porque se não admite que seja quem for venha pela calada da noite, se aproveite do escuro, utilize qualquer máquina de movimentação de terras estacionada no local, derrube as placas de três metros de altura, as meta ao bolso e, calmamente, vire costas e se ponha na alheta sem que ao menos o faroleiro tenha visto alguma coisa. A insegurança, nem é preciso dizê-lo, teve que vir de municípios vizinhos porque o do Sr Narciso é exemplar e os ladrões que ainda existem - a espécie, diz ele, está em vias de extinção como o lince da serra da Malcata - são completamente amadores, como os futebolistas do Angeiras. Ora adianta ele ainda que aquilo foi obra de profissionais e que a incursão se não fez nem num dia, nem numa hora. Portanto, mesmo profissionais, não tinham o gabarito dos que mudam os pneus ao Ferrari do Sr Barrichello nas corridas de fórmula um, que são muito mais lestos.

E, à sua maneira, agiu como nos velhos tempos e nos clássicos filmes de "cowboys" agia o Sr Gary Cooper quando, sozinho, se via rodeado por dez mil índios à sua frente, dez mil índios à sua direita, dez mil índios atrás de si e ainda outros dez mil índios à sua esquerda. E o Sr Gary Cooper sozinho! Disparou em todos os sentidos porque, com tanto melro, não haveria de falhar nenhum tiro. Acusou o empreiteiro de uma obra qualquer que lá anda em curso, tipo obra de Santa Engrácia. E acusou ainda o encarregado, os motoristas, os trolhas e os serventes. Por precaução deixou de fora do rol a D Fátima Felgueiras que nunca seria capaz de uma coisas dessas, sendo pessoa das suas relações e da sua confiança.

Esqueceu-se é que se o roubo, para ser consumado, necessitou de mais que um dia, toda a gente que deveria estar acordada, pelos vistos, estava a dormir. Incluindo ele, Narciso Miranda, há mais de vinte anos dormindo tranquilamente na cadeira da presidência da Câmara de Matosinhos. Onde, mesmo agora, só acordou para se indignar passadas três semanas. Quanto ao roubo de peças volumosas, de grandes dimensões e de algum peso, não é para admirar que desapareçam no seu concelho. Nem que isso se verifique em plena luz do dia. Então não é que anos atrás, ao que dizem, mesmo escoltados por quem de direito, chegaram a desaparecer do porto de Leixões camiões carregados com contentores. E nunca se soube quem os meteu ao bolso!

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