3 de fevereiro de 2004

A geografia tem andado a enganar-nos

Linha do Norte: estação de AveiroO que não admira, se toda a gente o faz! Agora o que custa sempre é sermos os últimos a saber e vermo-nos sozinhos no palco, com as luzes dos projectores em cima, no desempenho do papel de corno. A plateia, das duas uma, ou se compunge ou se ri à gargalhada. Qualquer uma das situações nos embaraça, custa-nos contar aos amigos, chegar a casa e encarar a mulher e os filhos, todos sem nenhuma culpa.

Pela minha parte garanto que me ensinaram na escola que Portugal ficava, geograficamente, no extremo mais ocidental da Europa. Lamento não ter sido suficientemente precavido e ter guardado os manuais por onde o aprendi porque hoje já me teriam sido de grande utilidade. Assim, olho para os poucos mapas escolares que ainda tenho pendurados nas paredes, a simular Guernicas e outros picassos, e apenas acentuo as minhas convicções. Mas os mapas também já são antigos, como eu e a minha geografia.

Hoje, com o espanto natural de um ignorante, leio que uma agência de publicidade moveu uma acção contra o ICEP, um organismo oficial cujo objectivo é promover o comércio externo, por este ter apresentado Portugal como o país mais ocidental da Europa numa qualquer campanha. Alegando que a ideia lhe fora roubada e que isso constitui plágio grosseiro e inadmissível.

Quer dizer, quando muitos de nós foram obrigados a aprendê-lo assim, fomos pura e simplesmente enganados. Fomos obrigados a aprender as linhas férreas como se fossem a Salvé Rainha, com entroncamentos, estações e apeadeiros e, afinal, elas não existem. O que existe é só a linha do norte e, mesmo esta, só tem uma estação em Vila Nova de Gaia. Levámos porrada para aprender rios, nascentes e afluentes de ambas as margens e depois preparámos o farnel, fomos em passeio para visitar os locais e os rios secaram, afluentes incluídos. Aprendemos os pontos cardeais como sendo quatro e agora, de repente, dizem-nos que são apenas três, enquanto não forem apenas dois.

Percorremos a costa de norte a sul, seguimos para sotavento até Vila Real de Santo António, nem aí nos detivémos. Fomos do Minho a Timor, sem paragens nem escalas técnicas. Ensinaram-nos cabos, penínsulas, baías e enseadas que recitámos como tabuada, com hesitações, erros e reguadas. Afinal a costa não existia, era um plágio. Grosseiro e inadmissível.

Valha-nos ao menos essa derradeira ponta de orgulho. O país, esse, existe. É tão original, tão diferente, tão típico que, seguramente, não pode ser plágio nem de nada, nem de coisa nenhuma. É perfeitamente impensável. E seria muito mais grosseiro e muito mais inadmissível. Não há outro. Era só o que faltava termos agora uma Dra Manuela Leite que fosse um plágio. Nem na Patagónia!

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