24 de março de 2004

A desavergonhada manipulação do Hospital de S. João, S.A.

O hospital de S. João, no Porto, publica hoje no Público uma página inteira de publicidade a que dá o título Um hospital ao serviço da comunidade e o subtítulo Resultados do ano 2003. A publicação é da responsabilidade do respectivo conselho de administração que faz preceder meia dúzia de números mal alinhavados e de rigor mais do que duvidoso do seguinte mimo literário:

O Conselho de Administração, consciente do papel central do Hospital de S. João na modernização e na implementação das necessárias reformas estruturais que têm vindo a ser preconizadas por Sua Excelência o Sr. Ministro da Saúde, vem, publicamente, informar os utentes do SNS dos resultados do seu exercício relativos a 2003.

Com esta divulgação, o Conselho de Administração pretende ainda homenagear a dedicação e o esforço dos profissionais de saúde deste Hospital, responsáveis últimos pelo êxito que estes resultados demonstram.

Seguem-se dois quadros preenchidos, como se disse atrás, com números vazios e sem certificação de rigor, acompanhados de considerações inúteis e patetas. Comparam-se, relativamente aos anos de 2002 e 2003, os números de consultas externas, hospital dia, urgências, intervenções cirúrgicas e internamentos. Depois, num segundo quadro, os subsídios à exploração, as horas extraordinárias e o número total de funcionários.

As considerações são a transcrição por extenso do que pode ler-se nos quadros e, no essencial, salientam que se fizeram mais consultas, por exemplo, com menos dinheiro, menos horas extraordinárias e menos funcionários. O que talvez queira significar que o funcionamento será optimizado sem nenhum dinheiro, sem horas extraordinárias e com os funcionários todos disfrutando das merecidas pensões de reforma. Já agora, sem aumentos!

O presidente do conselho de administração, que deve muito provavelmente ser um médico, poderia ter-se previamente aconselhado com alguém que soubesse alguma coisa de números. Bastar-lhe-ia até que chamasse, directamente da janela do gabinete, algum aluno da Faculdade de Economia que passasse na rua e que lho perguntasse. Quando se fala de resultados, fala-se inevitavelmente de resultados contabilísticos e o Hospital de S. João, à semelhança de outros, passou a ser uma sociedade anónima, embora com o capital social com uma estrutura esquisita. Ou, melhor dizendo, sem estrutura nenhuma: é de accionista único, neste caso o Estado. Portanto o Hospital S.A. deveria divulgar contas e não indicadores sobre os quais se não sabe sequer como foram obtidos e a que critérios obedecem. E, mesmo assim, deveriam essas contas ser certificadas por entidade externa e independente, vulgarmente referida como auditores ou, no caso português, como revisores oficiais de contas.

Assim fica-se pelo desbragado elogio do ministro, para que contenha qualquer remoto pensamento de exonerar seja que administrador for. E ainda pelo auto-elogio que, magnânimo, torna extensivo aos profissionais de saúde ao serviço. Como se diz, elogio em boca própria é vitupério. Ou pior!

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