10 de março de 2004

O rigor das sondagens e o pavor dos resultados

Há dias atrás um jornal diário publicava, com mais de três meses de antecedência, os resultados de uma sondagem sobre as eleições europeias. Apontavam para uma abstenção da ordem dos setenta por cento. De seguida o Presidente da República, publicamente, veio declarar-se "aterrado" com as perspectivas. Decorrem daqui e desde logo, no mínimo, dois equívocos. Cada vez mais grosseiros e cada vez mais irreversíveis.

Primeiro, sobre as sondagens. Em Portugal cada vez se fazem mais sondagens. Por tudo e por nada. Invariavelmente para nada. Sobre o detergente que lava mais branco e sobre a porcaria que suja mais preto. Sobre a adopção de crianças e sobre o casamento de homossexuais. Sobre os vencedores da bola e sobre o comportamento dos adeptos. Com a mesma naturalidade de quem utiliza os transportes públicos sem pagar bilhete, toma-se a parte pelo todo e a nuvem por Juno. Compreende-se! Estão aí as estatísticas a apontar o medíocre desempenho dos portugueses, de todos os escalões etários, em tudo o que seja relação com números. Não vale a pena bater mais no ceguinho. Os únicos números com que os portugueses, aparentemente, conseguem conviver são os resultados do futebol. O que já não acontece com os do basquetebol ou do andebol que, habitualmente, crescem mais e mais depressa. Se fizerem uma sondagem ou centenas delas vão confirmar isso mesmo. Como os resultados não interessam ao ministro da educação ele, muito sabiamente, poupa-nos a estopada e gasta o dinheiro em automóveis novos para o gabinete.

Segundo, sobre a aterrorização. Ainda ontem líamos, nem sabemos onde nem dito por quem, que se não compreendia que a democracia portuguesa, com curtos trinta anos de vida, apresentasse tão evidentes sinais de arteriosclerose aguda. Pretendia dizer-se que tem idade para ter algum juízo porque está no limiar da maioridade. É falso. Com trinta anos a democracia portuguesa nem sinais dá de começar a gatinhar e ameaçar com os primeiros e inseguros passos. Pelo contrário. O Dr Sá Carneiro, cremos, falava em bipolarização. Um termo que o eleitor não sabe o que significa, mas que também não interessa. Aí a tem, tipo pescada de rabo na boca. De um lado uma classe dominante, ocupando o poder e dominando a economia, classificando-se a si própria de elite. Sem princípios, sem escrúpulos, sem cultura e sem instrução. De outro uma classe dominada, dócil, sentindo o garrote do crédito a quebrar-lhe a cervicais, sabendo que depende do agiota para subsistir.

Compará-las é confundir alhos com bugalhos. Conciliá-las é como esperar a convivência exemplar entre judeus e muçulmanos. Dar-se-ão bem, às mil maravilhas, quando houver entre eles muros com oito metros de altura, revestidos de arame farpado e carregados de explosivos em ambas as faces. Quem é eleito não tem nada a ver com quem o elege, e cada vez o tem menos. Seria importante que a convencida classe política se questionasse sobre o total afastamento do eleitor. Fizesse um exame de consciência e examinasse a sua própria conduta. Tentasse perceber porque razões é tratada abaixo de cão. E saísse depois a terreiro para assumir responsabilidades, coisa que nunca foi muito apanágio do país. Explicando porque razões estava ali e para quê.

É que hoje ninguém sabe para que servem sejam que eleições forem. A não ser para arranjar empregos aos eleitos, aos familiares, aos compadres e aos amigos. De resto, não muda nada. A não serem as moscas. Que, quanto mais recentes, mais varejeiras!

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