19 de dezembro de 2004

Dizer mal

O presidente da Câmara afirmou um destes dias, num arrevesado olhar sobre o Porto, que este só dizia mal de si próprio. O que comprova que o Dr. Rio, enquanto líder da edilidade, não sabe o que a cidade diz. E o facto constitui, em relação a si como em relação aos seus antecessores, o mais significativo obstáculo para um razoável desempenho das funções em que se encontra investido. Porque, antes seja do que for, é preciso ouvir, é preciso conhecer, é preciso cimentar ideias e edificar projectos.

O Porto, ao invés, exagera no bem que diz de si próprio e no mal que pensa que os outros lhe fazem e de si dizem. Antes o Porto, de facto, dissesse de si o mal que justificadamente tem razões para dizer. E pudesse ter garantias de ser atentamente escutado, saber que as suas lamentações seriam dissecadas, que nenhuma justa queixa cairia em saco roto. Mas não tem e a vereação do Dr. Rio é, quanto a isto, apenas uma réplica de quantos o antecederam.

Não colhe a arrevesada afirmação do presidente da Câmara, também ela reduzida ao limite geográfico da Foz, regionalista como as tripas à maneira e o carago na boca de um boneco do Contra Informação. Acontece é que o país ri quando se fala no Porto, o que também é redutor porque o país tem razões de sobra para se rir de si 24 horas por dia. Mas o país continua a ter do Porto a imagem que dele deu Raul Solnado no Zip-Zip. Exceptuando o facto do Futebol Clube do Porto há anos somar vitórias e da possibilidade de Solnado ser accionista do Banco Pinto de Magalhães se ter sumido pela extinção do banco e pela morte do dono.

Se olharmos para as coisas acabamos a repetir-nos. Cada projecto que a cidade leva por diante é um tiro, e por cada tiro há um melro que cai redondo. É fastidioso e é inútil enumerar casos como o túnel do Carregal, a Porto 2001, a Casa dos 24 (que, pela designação, me desculpe o Sr. Germano Silva), a Casa da Música, o edifício Transparente, o apelidado funicular dos Guindais ou a requalificação da Viela do Anjo e áreas adjacentes.

Já ontem, noutras circunstâncias, o presidente da Câmara terá dito que os seus adversários políticos ainda não teriam digerido a vitória, ao fim de três anos. O que parece certo e, mais do que isso, preocupante. Porque a ser assim se tem que concluir que o Dr. Rio é difícil de digerir, o que representa uma indesejável sobrecarga para o aparelho digestivo seja de quem for. É também verdade que o próprio Dr. Rio ainda não percebeu como ganhou aquilo que de facto nunca pensou ganhar. E, assim sendo, permanece no deslumbramento de apenas se olhar ao espelho e de se aconselhar com ele. Como se usasse capachinho.

A um ano de distância não se compreende que segredo faz sobre a sua próxima candidatura a novo mandato nem o tom acintoso das críticas aos opositores. Não interessa saber se o PS alinha com Nuno Cardoso, com Fernando Gomes ou com Orlando Gaspar e que marca de equipamentos os patrocina. A cidade não se constrói sobre as críticas que se fazem aos adversários, sejam justas ou injustas. A cidade freme, sente e cresce com projectos que se alicercem em necessidades reais, em propósitos colectivos, em benefícios comuns.

Mas a cidade não caminha contra o regionalismo exacerbado e mesquinho vendendo ruínas em hasta pública. Nem passando para o âmbito da novel SRU dezenas de edifícios na gananciosa perspectiva do especulativo lucro imobiliário. É preciso palmilhar as ruas da cidade, identificar-lhe as muitas mazelas, seleccionar os antídotos e estabelecer as formas de administração. Não basta salientar aos outros que os edifícios se não começam pelo telhado para, depois de o dizermos, começarmos exactamente por aí.

2 Comentários:

Às 10:21 da tarde , Blogger Carlos Araújo Alves disse...

Ainda não tinham digerido?
Pudera, ele há coisas de digestão mais ou menos difícil, mas há outras que são mesmo indigestas, não vão para baixo nem por nada!

 
Às 1:45 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

E não haver ninguém que ponha os dedos ao gargomilo para que se proceda à expulsão do agente indigesto...

 

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