As moscas
O engenheiro Sócrates, o mesmo que defende o socialismo democrático, - ainda que encafuado no fundo da gaveta - que se veste no Rosa e Teixeira e que toma o chá das cinco a uma mesa da Versailles, acompanhando-o com biscoitos de sortido húngaro, escreveu-me. Não sei a que propósito e, mais preocupante, não faço ideia de quem, sem minha autorização, lhe forneceu o endereço. Porque mesmo considerando a carta como lixo não deixo de ver a minha privacidade invadida por estranhos e de ter que perder tempo com isso. À semelhança do que acontece quando uma qualquer menina de voz indefinida e meia idade me liga para o telefone e insiste em dizer-me que sou um privilegiado e que acabei de ser seleccionado para, sem custos e sem esforço, ir passar duas semanas de férias numa estância das Caraíbas.
De qualquer modo, e mesmo que seja prudente não dar confiança a desconhecidos e não lhes responder às cartas, sempre me disponho em devolver-lhe algumas considerações e em gastar o dinheiro de um selo de correio normal.
Senhor engenheiro Sócrates,
Por correio electrónico e com uma fotografia no topo chegou-me à caixa de correio uma carta sua, que me não era devida e cuja intenção não alcanço. Diz-me V. Exa., a título de saudação, que querem contar comigo. Devo informar que se deve tratar de um equívoco porque não pus anúncios em jornais a pedir emprego, não me proponho vender enciclopédias porta a porta e não preenchi apressadamente propostas para inscrição em partidos políticos ou em clubes de futebol.
Mas adiante! Diz V. Exa. que no próximo dia 20 de Fevereiro os portugueses vão ter uma palavra a dizer sobre o seu futuro. Creio, obviamente, que se refere ao seu próprio futuro porque, quanto ao deles, nunca ninguém lhes quis ouvir as palavras e cada vez o querem menos. Acrescenta que este deve ser um ano de viragem e asseguro-lhe que o será como os anteriores e inevitavelmente a 31 de Dezembro. Do mesmo modo que fará a diferença: não haverá Euro 2004, será inaugurada a Casa da Música, o ano de 2004, como certamente ainda recorda, foi bissexto e teve um dia a mais.
Saiba V. Exa. que são mais fieis os adeptos de Portugal do que os do Sporting que aguardaram 18 anos para voltarem a ser campeões, sem nunca perderem a esperança, excepto os que lamentavelmente foram morrendo pelo caminho. E o país, como V. Exa. também sugere, não precisa nem de um novo rumo, nem de um novo treinador. Precisa de uma vassourada rude, capaz de remover a bosta e acabar com a raça às moscas, sejam estas varejeiras ou domésticas. O país não precisa de nenhuma alternativa política, tenha ela como cabeças de cartaz V. Exa., o Dr. Santana, Richard Gere ou Tom Hanks. O país precisa e reclama de há muito, apenas e simplesmente, uma política.
O país, engenheiro Sócrates, não aguarda por projectos cujos contornos lhe são cuidadosamente escamoteados, não anseia por nenhum crescimento económico, considera que são bastantes as rentabilidades da banca e da Brisa, recusa promessas de emprego que já sabe ser promovido à custa de encerramento de empresas, de falências e do decréscimo sistemático do poder de compra de quem depende do ordenado para viver. Tão pouco solicita o apoio de sindicatos que lhe defendam os interesses ou de políticos patriotas que se esfalfem a trabalhar em seu benefício. De há muito concluiu que não existem nem uns, nem outros.
Assevera V. Exa. que não perderá muito tempo a falar do passado e há algumas razões para acreditar nisso: pelo que já tem falado é natural que a 20 de Fevereiro próximo o assunto se lhe tenha esgotado. Mas o país agradeceria que pura e simplesmente não perdesse tempo a falar abusivamente em seu nome. Anseio que, aliás, estende a todo o extenso espectro político, abrangendo os que, velhos e alquebrados, optaram pela reforma como o Dr. Almeida Santos. O país não precisa de pessoas que falem muito e bem, sem saberem o que dizem. O país entende que as suas prioridades não são a protecção da democracia iraquiana, a renovação da televisão santomense, a caça submarina ao tubarão ou até a fotografia turística junto à grande muralha da China. O país precisa de quem tenha o entendimento mínimo do que é serviço público, de quem saiba o que quer e de quem o anuncie sinteticamente em poucas e curtas palavras. E se entregue ao trabalho, prescindindo de boys, assessores e afilhados, com o fito no bem comum, no progresso e na melhoria das condições de vida de quem vive na miséria. E quem vive na miséria, engenheiro Sócrates, é muita gente.
Finalmente, não apele em vão à participação seja de quem for para construir dinâmicas de mudança para uma nova geração e uma clonada raça de moscas geneticamente mais resistentes à compostura e ao decoro. Não peça que seja quem for se aplique no debate e na divulgação das suas propostas, que objectivamente se não conhecem. Percorra o país e conheça-o sem ser a partir de apressados almoços à base de febras de porco e de copos de tinto. Sem que esse conhecimento se restrinja a um qualquer concelho do interior e ao largo onde se ergue o antigo pelourinho. Conheça o país conhecendo as pessoas que o habitam, sabendo das carências dos velhos. Sem rendimentos dignos, sem assistência médica, sem nenhuns apoios na recta final que percorrem na vida. Faça propostas substantivas, como engenheiro elabore cronogramas, estabeleça calendários e quantifique tudo. Com o rigor com que isso deve fazer-se e não anunciar-se. Depois apele à participação e ao castigo pelo incumprimento. Não queira que eu, contribuinte líquido e activo, o sente à mesa redonda do orçamento e lhe ponha o guardanapo a proteger-lhe a alva popelina da camisa para que possa mandar servir o banquete.
Cópia desta carta segue para todos os seus adversários políticos, com ou sem representação parlamentar. Por incrível que isso possa parecer, a carapuça tem a medida exacta de cada uma das cabeças. O que me leva a crer que, de facto, quem vê caras não vê tamanhos de chapéus!
De qualquer modo, e mesmo que seja prudente não dar confiança a desconhecidos e não lhes responder às cartas, sempre me disponho em devolver-lhe algumas considerações e em gastar o dinheiro de um selo de correio normal.
Senhor engenheiro Sócrates,
Por correio electrónico e com uma fotografia no topo chegou-me à caixa de correio uma carta sua, que me não era devida e cuja intenção não alcanço. Diz-me V. Exa., a título de saudação, que querem contar comigo. Devo informar que se deve tratar de um equívoco porque não pus anúncios em jornais a pedir emprego, não me proponho vender enciclopédias porta a porta e não preenchi apressadamente propostas para inscrição em partidos políticos ou em clubes de futebol.
Mas adiante! Diz V. Exa. que no próximo dia 20 de Fevereiro os portugueses vão ter uma palavra a dizer sobre o seu futuro. Creio, obviamente, que se refere ao seu próprio futuro porque, quanto ao deles, nunca ninguém lhes quis ouvir as palavras e cada vez o querem menos. Acrescenta que este deve ser um ano de viragem e asseguro-lhe que o será como os anteriores e inevitavelmente a 31 de Dezembro. Do mesmo modo que fará a diferença: não haverá Euro 2004, será inaugurada a Casa da Música, o ano de 2004, como certamente ainda recorda, foi bissexto e teve um dia a mais.
Saiba V. Exa. que são mais fieis os adeptos de Portugal do que os do Sporting que aguardaram 18 anos para voltarem a ser campeões, sem nunca perderem a esperança, excepto os que lamentavelmente foram morrendo pelo caminho. E o país, como V. Exa. também sugere, não precisa nem de um novo rumo, nem de um novo treinador. Precisa de uma vassourada rude, capaz de remover a bosta e acabar com a raça às moscas, sejam estas varejeiras ou domésticas. O país não precisa de nenhuma alternativa política, tenha ela como cabeças de cartaz V. Exa., o Dr. Santana, Richard Gere ou Tom Hanks. O país precisa e reclama de há muito, apenas e simplesmente, uma política.
O país, engenheiro Sócrates, não aguarda por projectos cujos contornos lhe são cuidadosamente escamoteados, não anseia por nenhum crescimento económico, considera que são bastantes as rentabilidades da banca e da Brisa, recusa promessas de emprego que já sabe ser promovido à custa de encerramento de empresas, de falências e do decréscimo sistemático do poder de compra de quem depende do ordenado para viver. Tão pouco solicita o apoio de sindicatos que lhe defendam os interesses ou de políticos patriotas que se esfalfem a trabalhar em seu benefício. De há muito concluiu que não existem nem uns, nem outros.
Assevera V. Exa. que não perderá muito tempo a falar do passado e há algumas razões para acreditar nisso: pelo que já tem falado é natural que a 20 de Fevereiro próximo o assunto se lhe tenha esgotado. Mas o país agradeceria que pura e simplesmente não perdesse tempo a falar abusivamente em seu nome. Anseio que, aliás, estende a todo o extenso espectro político, abrangendo os que, velhos e alquebrados, optaram pela reforma como o Dr. Almeida Santos. O país não precisa de pessoas que falem muito e bem, sem saberem o que dizem. O país entende que as suas prioridades não são a protecção da democracia iraquiana, a renovação da televisão santomense, a caça submarina ao tubarão ou até a fotografia turística junto à grande muralha da China. O país precisa de quem tenha o entendimento mínimo do que é serviço público, de quem saiba o que quer e de quem o anuncie sinteticamente em poucas e curtas palavras. E se entregue ao trabalho, prescindindo de boys, assessores e afilhados, com o fito no bem comum, no progresso e na melhoria das condições de vida de quem vive na miséria. E quem vive na miséria, engenheiro Sócrates, é muita gente.
Finalmente, não apele em vão à participação seja de quem for para construir dinâmicas de mudança para uma nova geração e uma clonada raça de moscas geneticamente mais resistentes à compostura e ao decoro. Não peça que seja quem for se aplique no debate e na divulgação das suas propostas, que objectivamente se não conhecem. Percorra o país e conheça-o sem ser a partir de apressados almoços à base de febras de porco e de copos de tinto. Sem que esse conhecimento se restrinja a um qualquer concelho do interior e ao largo onde se ergue o antigo pelourinho. Conheça o país conhecendo as pessoas que o habitam, sabendo das carências dos velhos. Sem rendimentos dignos, sem assistência médica, sem nenhuns apoios na recta final que percorrem na vida. Faça propostas substantivas, como engenheiro elabore cronogramas, estabeleça calendários e quantifique tudo. Com o rigor com que isso deve fazer-se e não anunciar-se. Depois apele à participação e ao castigo pelo incumprimento. Não queira que eu, contribuinte líquido e activo, o sente à mesa redonda do orçamento e lhe ponha o guardanapo a proteger-lhe a alva popelina da camisa para que possa mandar servir o banquete.
Cópia desta carta segue para todos os seus adversários políticos, com ou sem representação parlamentar. Por incrível que isso possa parecer, a carapuça tem a medida exacta de cada uma das cabeças. O que me leva a crer que, de facto, quem vê caras não vê tamanhos de chapéus!
10 Comentários:
Excelente texto, Luís F. Vieira, assino de cruz.
Abraço
Com que então uma carta do engeneiro, hein?...Sortudo!...:O))
Já a mim ninguém me escreve. :O(
Exmº Sr. Vieira:
Ele há dias assim. Ainda não foi desta vez que recebeu uma carta do prof. Cavaco, do dr. Portas ou do dr. Santana Lopes. Mas do alto da sua indiscutível infalibilidade política tenha fé: mais ano menos ano (se calhar ainda este...) eles lhe vão escrever a agradecer a volta ao poder. De facto o seu maior inimigo só pode ser o engº Sócrates. E tem toda a razão. O Santana, o Portas e o Cavaco também acham. Uma coisa se pode dizer de si: não é esquisito quanto a companhias...
Ele há de facto dias assim! Em que somos polidamente tratados por Exmo. Sr. por algum admirador tão comoventemente tímido que se acolhe à capa do anonimato. Não é excessivo nos elogios como o António porque apenas vê em mim a infalibilidade política. O que sinceramente me deixa frustrado por saber a pouco. Não espero, naturalmente, ficar anos ou sequer meses à espera das declarações de rendimentos de quantos ilustres menciona de carreirinha. Não tenho essa pachorra sequer para esperar pela fotografia, em pelota, da Kate Moss. Quanto a inimigos, não os tenho. Nem maiores, nem menores. Os que se me interpuseram no caminho tombaram nos duelos travados ao sol do meio dia, na rua poeirenta onde se situam o Saloom e o xerife. Agora com essa da esquisitice sobre as companhias, porra que já afino. É que nem sou desses nem para lá caminho. Volte sempre e mostre a cara. A vida é um espelho, podemos ver-nos nele e rirmo-nos. E o riso, como dizia Eça, é uma filosofia!
Oh Luis, afinal tens sentido de humor, carago. Mas de facto, com tanta porcaria que para aí anda, ainda activa e alguma a dar mergulhos, estares a escolher para inimigo-do-dia um gajo, só porque te escreveu uma carta, mostra que, afinal, não és tão infalível como o outro, que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas. Mas que, neste assunto andas com más companhias, se calhar é verdade. Ah, é verdade, eu sou Anonymous mas, como vês, é com Y.
E não ofendo ninguém que não mereça. Fui criado assim...
Um abraço.
"lfvieira@mail.telepac.pt" : será este o seu endereço? Será esta a privacidade a que se refere?
Encontrei-o no seu "public perfil". À disposição de qualquer um....
Tenho muita pena de não ter recebido igual missiva. O eng Sócrates não me conhece, apesar de eu ter o telefone privado dele. portanto, também se podia arranjar maneira de se lhe enviarem dezenas de chamadas para o seu télélé, a candidatarmo-nos aos mais de 12 mil tachos que criará nas primeiras semanas que for eleito, não?
Se acharem por bem, digam, que eu dou-vos o nr...
Um abraço
João Tilly
O meu blog actualizado é www.joaotilly.weblog.com.pt
Não sabendo se a assinatura de "Anonymous", com y, corresponde apenas a um ou a mais anonymous, vai junto o cumprimento aos dois últimos post-its que aqui tiveram a amabilidade de pendurar.
Sobre a primeira. São palavras cordatas, estamos entendidos, volta quando quiseres, perde algum tempo a ler o blogue por aí abaixo para não me recomendares boas companhias. Para além de espelho a vida é um palco. De comédia permanente. Lembra-te disso e ri-te dela!
Sobre a segunda. Assim chegou Pedro Álvares Cabral ao Brasil, julgando-se a arribar à Índia. Então uma puta, habitando morada certa com número na porta, telefone na lista, BI e cartão de eleitora já só pode esperar acordar de manhã e ter uma fila de candidatos a chulos alinhados pela rua fora?
É que eu também tenho morada certa, BI, passaporte, cartão de eleitor e cartão de sócio do Inatel.Além de saber que o Dr. Santana mora em S. Bento e o Dr. Portas no Forte de S. Julião. E ainda lhes não escrevi!
Bom post
Também eu fui brindado com este mail. Também lhe respondi.
A reposta foi (cito):
===========
Hi. This is the qmail-send program at hydralisk.novasfronteiras.pt.
I'm afraid I wasn't able to deliver your message to the following addresses.
This is a permanent error; I've given up. Sorry it didn't work out.
<respostas@novasfronteiras.pt>:
Recipient's mailbox is full, message returned to sender. (#5.2.2)
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Quer isto dizer que a caixa de correio do Engenheiro Sócrates está cheia.
Quer isto dizer que o Eng. Sócrates está preocupado com o feed-back que os portugueses lhe dão...
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