27 de junho de 2005

Seriedade política

À economia, como ciência, resta cada vez mais a aritmética dos números e a estranha alquimia dos políticos. E mesmo isto apenas enquanto a tabuada inteira não for definitivamente substituída por um qualquer chip programado que, com a mesma facilidade, ponha a soma de dois mais dois a dar cinco e o défice do orçamento a ser reduzido com o linear aumento da despesa pública.

No exercício da sua democrática ditadura de quatro anos acho que o suposto engenheiro Sócrates nem cumpre nem atraiçoa quaisquer promessas eleitorais que tenha feito no decurso da campanha. Por uma questão simples: é que ele foi tão vazio, tão vago, tão evasivo que não chegou a prometer fosse o que fosse. Limitou-se a enunciar alguns desejos pessoais como ver criados não sei quantos postos de trabalho, reduzidos os impostos, corrido do governo da Madeira a sanguessuga Alberto João e garantida a protecção de Nossa Senhora de Fátima.

Os seus desejos de chegar ao poder sem se comprometer são tão legítimos como os meus de enriquecer à custa do sorteio do euromilhões ou os de qualquer convicto maometano de chegar ao paraíso ainda a cheirar a pólvora e ser acolhido pelo número de virgens a que tem direito. Estranhos, todavia, têm sido os métodos usados para nos conduzir à felicidade terrena e para nos garantir a vida eterna enquanto se eterniza no poder por mais tempo do que o conseguiu o falecido sargento Mobutu.

Ainda agora, para que o país real - aquele que janta no Gambrinus enquanto ouve atentamente o ilustrado discurso da Lili Caneças! - pudesse aperceber-se de como faz horas extraordinárias, o governo foi apresentar um orçamento rectificativo em pleno fim de semana. Confortado com o rigor dos cálculos isentos e exactos do Dr. Constâncio, garantiu aos portugueses que iriam agora saber toda a verdade sobre o orçamento e sobre o défice. A verdade é que os portugueses não sabem o que é o orçamento, não entendem o que quer dizer défice e, a ele, não lhe perguntaram nada. E não têm memória da primeira e última vez em que um político, em funções governativas, tenha dito por engano alguma verdade. Excepção feita ao Sr. José Vilhena que, como reformado, optou pela respectiva pensão de mais de quinhentos euros e recusou a secretaria de estado do fomento da virgindade e protecção da virtude, por ser forçado a prescindir de um terço do ordenado.

Enquanto isso o governo anuncia sucessivos sacrifícios que pede aos portugueses. O governo não impõe e nem sequer exige. À boa maneira dos corpos de intervenção, pede educadamente aos portugueses que se sacrifiquem em seu benefício, enquanto lhes descarrega o cassetete nos costados e lhes fractura, pelo menos, três costelas. Posto isto, combate o défice fazendo nomeações políticas, fixando verbas para representação e nomeando o Dr. Fernando Gomes para salvar a Petrogal depois de sucessivamente ter salvo os concelhos de Vila do Conde e do Porto, autorizado a construção do mamarracho a que chamam Torre das Antas e prestado vassalagem ao Sr. Pinto da Costa.

Ainda ninguém lhe ouviu falar foi na proliferação das quintas que são as autarquias e as empresas municipais, os institutos públicos e os serviços autónomos, as empresas públicas e aquilo que elas mesmas denominam por grupos económicos. Como na Casa da Música, os respectivos administradores estabelecem os seus próprios ordenados e benesses ao arrepio da lei e da tutela, sem risco e sem sanção. O governo, de forma louvável, quer que o Estado emagreça e prescinda de muitos milhares de funcionários inúteis e em excesso. E enquanto o apregoa, prolonga a idade de reforma, aprova a criação de freguesias, promete novos concelhos, combate a droga e a sida com cartazes afixados na via pública por empresas privadas, detidas por amigos e familiares.

A actual estrutura do Estado só tem salvação em novas invasões, com os franceses descrentes do não com que, em referendo, recusaram um utópico tratado europeu. Porque, ao que parece, a distorcida estrutura que ainda vigora deve-se às invasões do início do século dezanove!

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