14 de junho de 2005

Para sempre, Eugénio

Por casualidade, que me falta a morbidez com que esta desumana gente se atira a farejar casamentos e funerais. Assim, de repente, vi-me à porta do jardim Marques de Oliveira, atravessando-o de lado a lado. Do nome de S. Lázaro plantou-lhe a municipalidade uma lápide espetada a uma das entradas. E enterrou-lhe recordações e saudades tantas, deixando-lhe apenas magnólias magníficas e tílias decepadas mas, apesar de tudo, nobres e altivas. O jardim é hoje povoado por reformados com pensões de miséria que se alegram ao sol do Verão que se anuncia e ao jeito da trapaça que se pratica no jogo viciado da sueca e da renúncia. Por putas desamparadas de chulo, há muito fora do prazo de validade e devendo já alguns anos à idade da reforma. Ainda na esperança do engate fortuito e do dinheiro para a pensão e para a sopa. E por este perfume suave que as tílias em flor levam pela rua fora, persistente e tranquilo, sem o rubro de sangue que as acácias deixam pelas ruas poeirentas de Benguela.

Um só batedor à frente, afastando do percurso quem, por ignorante ousadia, normalmente fosse a debruçar-se sobre o rio e verificar a ferrugem que arrasta para a queda uma jóia como a ponte de D. Maria. Um primeiro carro funerário, com meia dúzia de gatos-pingados ataviados a rigor, trazendo nas almas a consternação das terças-feiras e nas faces a máscara com que se levam à tumba passageiros ilustres. E ainda supõe-se que uma urna, escondida sob uma bandeira tristonha da cidade. Depois outro carro funerário, carregando só flores, de todas as cores, de todas as espécies, de todas as proveniências. E alguns carros luzidios e enormes, com os vidros fumados e motoristas de farda, solitários no banco da frente.

Não foste, de todo, nenhum António Aleixo, popular e espontâneo. Burilaste o ritmo meigo e quente das tuas palavras à força de cinzel, em intermináveis noites de insónia e com a ajuda de cântaros de chá, enquanto espumando o rio se atirava raivoso contra o mar. Nem tu tremeste nem tão pouco as palmeiras do Passeio Alegre se assustaram. Hoje levaste-nos as mãos e deixaste-nos os frutos. Amanhã, sem carácter oficial, alguém se ocupará da tua obra e a levará por aí. Fará com que todos possam lê-la e entendê-la. Para sempre, Eugénio!

2 Comentários:

Às 10:32 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

as palmeiras do Passeio Alegre
(Manuela)

 
Às 7:17 da tarde , Blogger mfc disse...

O génio foi-se, mas a sua obra está aberta para o mundo.
Tenho imensa pena de tudo aquilo que não escreverá e não lerei.

 

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