Natal
Venho aqui hoje, também eu, por causa do Natal. Não para desejar a todos um santo Natal como fazem os políticos, sejam praticantes, abstémios ou ateus. Tão pouco para referir a vulgaridade sem imaginação de que Natal é hoje, é amanhã, é sempre que um homem quiser. Mas para sugerir que paremos por um minuto e olhemos à volta. Contemplemos esta estranha espécie humana a que pertencemos e atentemos na hipocrisia das normas por que se rege e a que elevadamente chama civilização.
De norte a sul deste insignificante país há pessoas sem abrigo que dormem e sucubem de estômago desprotegido, aconchegadas nas portadas pelos zero graus dos termómetros. Oferece-se-lhes um prato de couves cozidas, frias e chocas, uma ponta de bacalhau daquele que não passou no crivo da escolha e diz-se-lhes que é Natal. O presidente da Câmara salvará a paróquia e a pátria negando uma tolerância de ponto aos seus funcionários, botará um discurso vazio que ninguém entenderá, enquanto as couves se aprontam para o lixo, e admitirá no dia seguinte mais trinta assessores da sua confiança política com direito a carro de serviço e a cartão de crédito.
O Iraque, por enquanto, ignorará o Natal mas celebrará a libertação e a paz que George Bush, incorrigível altruísta, fez questão de lhe impôr pela força, à custa de muitas mortes e astronómicas pilhas de dólares. Felizes e libertas as crianças continuarão morrendo descalças pelas ruas, apedrejando blindados e invocando o profeta. O petróleo, viscoso e negro, jorrará de jazidas a 600 metros de profundidade, com o jacto mais virado a Washington, por força das eleições livres e da democracia.
Em Luanda, mais que primeiro ministro português e menos que arrependido militante da extrema esquerda, Durão Barroso poderá observar a felicidade dos meninos da rua, catando o lixo putrefacto das lixeiras, sob os lustres que iluminam a valsa vienense e o espírito democrático do estalinista Zédu, enquanto a filha deste se embala nos braços do marido recente, subjugado pela paixão fulminante e pelo peso indeterminado da camanga.
Jovem herdeiro de uma fortuna que nunca existiu, aos 80 anos, Fidel Castro beijará o anel do representante de Pedro e acreditará para sempre nos malefícios que moram a 180 milhas e nos benefícios dos puros charutos havanos que nenhum ocidental nababo foi capaz de recusar, deixando algumas beatas para os ricos da Europa e para a memória do argentino Che.
E depois, de todas as varandas hipócritas do mundo se exibirá o Menino Jesus e se cantarão loas inúteis à esmola desinteressada de quem a chorará durante um ano. Sob as mesmas arcadas do prédio da baixa onde morei tantos anos, o meu amigo Francisco não irá ao banquete das couves, tresandará a miséria e a mijo, adormecerá no meio dos mesmos cartões rasgados e sebentos, terá por objectivo apenas o dinheiro com que no dia imediato comprará as cervejas necessárias à sua subsistência e à manutenção do seu estatuto de deserdado da vida.
O Natal nem sequer é uma farsa. O Natal é uma oportunidade de marketing explorada pelos mesmos alquimistas que constroem o orçamento do estado!
De norte a sul deste insignificante país há pessoas sem abrigo que dormem e sucubem de estômago desprotegido, aconchegadas nas portadas pelos zero graus dos termómetros. Oferece-se-lhes um prato de couves cozidas, frias e chocas, uma ponta de bacalhau daquele que não passou no crivo da escolha e diz-se-lhes que é Natal. O presidente da Câmara salvará a paróquia e a pátria negando uma tolerância de ponto aos seus funcionários, botará um discurso vazio que ninguém entenderá, enquanto as couves se aprontam para o lixo, e admitirá no dia seguinte mais trinta assessores da sua confiança política com direito a carro de serviço e a cartão de crédito.
O Iraque, por enquanto, ignorará o Natal mas celebrará a libertação e a paz que George Bush, incorrigível altruísta, fez questão de lhe impôr pela força, à custa de muitas mortes e astronómicas pilhas de dólares. Felizes e libertas as crianças continuarão morrendo descalças pelas ruas, apedrejando blindados e invocando o profeta. O petróleo, viscoso e negro, jorrará de jazidas a 600 metros de profundidade, com o jacto mais virado a Washington, por força das eleições livres e da democracia.
Em Luanda, mais que primeiro ministro português e menos que arrependido militante da extrema esquerda, Durão Barroso poderá observar a felicidade dos meninos da rua, catando o lixo putrefacto das lixeiras, sob os lustres que iluminam a valsa vienense e o espírito democrático do estalinista Zédu, enquanto a filha deste se embala nos braços do marido recente, subjugado pela paixão fulminante e pelo peso indeterminado da camanga.
Jovem herdeiro de uma fortuna que nunca existiu, aos 80 anos, Fidel Castro beijará o anel do representante de Pedro e acreditará para sempre nos malefícios que moram a 180 milhas e nos benefícios dos puros charutos havanos que nenhum ocidental nababo foi capaz de recusar, deixando algumas beatas para os ricos da Europa e para a memória do argentino Che.
E depois, de todas as varandas hipócritas do mundo se exibirá o Menino Jesus e se cantarão loas inúteis à esmola desinteressada de quem a chorará durante um ano. Sob as mesmas arcadas do prédio da baixa onde morei tantos anos, o meu amigo Francisco não irá ao banquete das couves, tresandará a miséria e a mijo, adormecerá no meio dos mesmos cartões rasgados e sebentos, terá por objectivo apenas o dinheiro com que no dia imediato comprará as cervejas necessárias à sua subsistência e à manutenção do seu estatuto de deserdado da vida.
O Natal nem sequer é uma farsa. O Natal é uma oportunidade de marketing explorada pelos mesmos alquimistas que constroem o orçamento do estado!
4 Comentários:
Um abraço de um outro ANO NOVO. O que esperamos e tentamos fazer, nem que seja só à nossa volta! Círculos e círculos.
Os meus parabéns pelo seu magnífico texto!
Hoje em dia existe uma enorme dose de hipocrisia associada ao Natal.
Antigamente o Natal não era tanto assim, era mais genuíno!
...Já me esquecia, e depois de ouvir o cardeal patriarca de Lisboa e o Dom João não sei quantos lá do Porto a debitarem banalidades sobre o aborto, no âmbito da celebração do nascimento do menino, estamos conversados!
Não são votos de um bom natal (que claro lhe desejo) nem de um bom ano novo (que ainda mais lhe desejo).
Um obrigado por escrever assim.
AM
Uma excelente reflexão a que o amigo Luis já nos habituou. Mas deixo-lhe os votos dum fim-de-ano bem passado. Um abraço do raul
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