Há de ser primavera
O
dia mal clareou e a segunda feira abriu-se para a manhã de inverno, já em
calendário de primavera. O sol arredio por sobre as nuvens escuras. Só chuva,
de sol nem promessas, só o vento desabrido a açoitar as esquinas e a varrer as
ruas desertas de gente. Mais um dia nesta caminhada solitária contra a vida.
Vai um mar revolto e feio, galgando as rochas e espantando as gaivotas para a
segurança de um abrigo em terra. Onde a chuva e o vento se vestem de nevoeiro,
quando a primavera deveria explodir nos ramos altos dos plátanos.
Durante
dois dias de frio polar, corrido a vento, um sol de primavera implodiu os dias
de inverno a que não tem faltado a energia e encheu-nos as manhãs de um céu
azul sem nuvens. Fiz-me à manhã cedo, como se acordasse entre trópicos, o sol
sempre acima do horizonte, o voo dos pássaros sempre sem a tormenta dos dias
cinzentos e o horizonte à dimensão fugaz dos dias curtos. Como se não houvesse
o nevoeiro denso a esconder-me a luz do caminho e os degraus da porta de
entrada, e o ar sereno e quente fosse um poema de amor, sem a revolta da
libertação e nenhuma canção desesperada.
Porque
fui deixar-te sozinha, entregue ao sono tranquilo da manhã que se aproxima, o
corpo relaxado e o sonho a despertar-te, à flor da pele, como se não tivesse
havido noite? A noite foi um espaço sem
tempo, uma carícia, um abraço em que nos encontramos para o sono e para o
sonho, tudo tão simples como os dias que o mar nos oferece, espalhando-se pelas
praias de areia fina, sem ondas, só uma espuma branca que nos afaga, as
casuarinas ondulando as folhas finas mesmo onde morre a ânsia das marés. E tu
ali sozinha, na minha ausência, o sono a encobrir-te a partida breve, sem
distúrbio e sem distância, como se tudo fosse tão perto e eminente.
Mas
melhor do que o sol brilhante da manhã fria, se o houvesse, seria a respiração
serena com que me embalavas. Tantas promessas de sol quente no brilho das
manhãs frias que me levavam envolto em chuva e nevoeiro. Quando eu já esperava
pelo vermelho das papoilas nas bermas verdejantes das estradas.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial