Salgueiro Maia – Morreu há 21 anos
O
tempo é como a vida, passa a correr. De repente, parece que foi ontem à noite,
faz 21 anos que Salgueiro Maia morreu. Não o conheci, e deixo aqui apenas um
conjunto de três orquídeas, uma flor de que gosto muito, de forma sentida e
saudosa. Enquanto no meu peito o sonho e a revolta se confundem e
silenciosamente me perfilo perante a sua memória e a grandeza dos actos que
praticou em nome do interesse coletivo.
Salgueiro
Maia deu corpo ao sonho que mora comigo desde os 18 anos, ou antes. Acreditou
que o mundo e o país poderiam ser melhores. Sonhou que todas as crianças podiam
ter comida, roupa, calçado, instrução e um futuro digno. Não estando sozinho, é
certo, pôs se à frente de um grupo de camaradas de armas, utilizando os meios
que tinha ao seu dispor e desceu de Santarém a Lisboa, não forçando ninguém a
acompanhá-lo.
O
Terreiro do Paço era um deserto onde apenas já se divisava a voracidade mórbida
dos abutres, cheirando a morte. E Salgueiro Maia encheu-o com os seus homens,
soltando o sonho e a esperança. Mais tarde o resto do regime cair lhe ia aos
pés, no Largo do Carmo e ele faria escoltar, até um avião, as múmias que corporizavam
a cabeça do regime, com conforto e honra que não mereciam.
Não
quis nada para si e recusou tudo, cargos, benesses e honrarias. E foi desde
logo, e naturalmente, perseguido em vida. Por
aqueles que se encavalitaram nas suas costas, tentando chegar ao ramo
mais alto e ao mais apetitoso e saboroso fruto. O poder político cilindrou-o,
não teve uma palavra para lhe dizer, apenas lhe sobrou o pânico para o
afastarem e o perseguirem.
Passados
21 anos sobre a tua morte, Fernando, os abutres espreitam na mesma em cada vão
do Terreiro do Paço. As crianças, as nossas crianças, têm fome, falta-lhes roupa
e calçado, não se lhes dá escola e riscou-se-lhes o futuro do horizonte. Os
pais delas são aconselhados a emigrar, como se todos o pudessem fazer, e
acumulam-se nos cabazes onde o governo vai arquivando as estatísticas do
desemprego. E já não é possível contar nem os cabazes nem os desempregados.
Hipócrita,
o poder político evita pronunciar o teu nome, faz tudo para que sejas
esquecido. E pela calada da noite vai encavalitando placas com o teu nome às
esquinas das travessas nas aldeias da província. Onde moras no coração do povo,
que te aplaudiu o sonho e a coragem. E que, como eu, continua a acalentar o
sonho e a desenhar a esperança. Para sempre!
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