Do mais fundo da tarde
Do mais fundo da tarde
emergiu este mar sereno e raso, sem ondas e sem espuma, estendendo-se pelo
dourado das areias finas, como se fosse domingo. A oeste nada de novo, como no
título de Remarque, nem ideias nem propósitos, ninguém que se prenda ao leme e dobre
o cabo das tormentas, ousando enfrentar o dilúvio que se pode esperar para lá
da escuridão de um céu sem estrelas e sem relâmpagos. É a oriente que nasce o
sol, é a oriente que cresce a esperança que da vontade se faça algum futuro.
Não há nem porto nem cais e
nem o oceano traz navios que transformem esta calma tranquila naquela azáfama
de chegadas próximas. Há apenas um sol oblíquo, descendo lentamente no
horizonte, projectando sombras de árvores que nasceram com a paisagem e que,
nos dias que habitamos, se transformaram em fantasmas que assustam crianças e
adultos. Os rios deixaram de terem margens, os afluentes secaram, os peixes
morreram.
Nunca os homens fabricaram
tantas armas em nome do desarmamento, nem fizeram tanta guerra, com o objectivo
superior de implantar a paz, justa, duradoura e definitiva, na boca vazia dos
políticos. A paz são milhões de barris de petróleo que as refinarias
transformam em gases letais e em cotações nas bolsas de valores, onde os lucros
jorram das torneiras. A paz são crianças subnutridas de África, vasculhando o
lixo dos contentores à procura de alimento, morrendo de olhos esbugalhados, saídos
das órbitas, tristes e famintos. Vítimas sem culpa e sem conhecimento de que
haja Deus e do que seja petróleo.
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