Pois, aqui estou eu
Pois, aqui estou eu tal como
resultei de todos os invernos, sozinho, sentado ao canto de um café deserto, a
companhia de um jornal aberto sobre a mesa e de uma chávena, o olhar vazio
perdido no nevoeiro breve que atravessa a praça, todo o outubro pela frente.
Dói-me toda a distância inútil dos meus dias, todos os afectos espalhados pelas
ruas, na procura ansiosa de um gesto carinhoso, todas as esperanças que, como
sonhos, sempre moraram no tom esverdeado e fundo dos meus olhos tristes. Por
ironia, também em outubro houve um sol de estio varrendo os terrenos já
ceifados dos trigais, o grão recolhido das eiras acautelando o efeito das
chuvas de outono, o saltinho inquieto dos pardais procurando uma migalha.
Na torre da igreja restava só
o ninho desabitado das cegonhas, ao abandono, já aguardando pelo ano que há-de
vir. Entretanto já as crias tinham adquirido asas e destino, escapando-se do
frio antes que fosse tarde e o calor lhes ficasse a maior distância do que o
voo. No interior do templo a altura desmedida do tecto trazia ao ambiente a
frescura das manhãs de primavera e reduzia-te àquela pequena dimensão, isolada
e só, em que te perdes, o olhar inquieto desenhando o trajecto irregular do voo
nervoso das andorinhas. Sem palavras e sem gestos, o abraço apertado em que nos
unimos, o coração que te senti bater a um ritmo sereno e certo, duas lágrimas
salgadas que te desceram pela face e que morreram no silêncio da ponta dos meus
dedos. A mão e o braço que te pousei sobre o ombro, mais do que o conforto e o
carinho, certeza do apoio singelo que te dava.
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