A voz presa à garganta
A voz presa à garganta por
um fio, o gelo de um glaciar inteiro a fundir-se-me nos dentes, flutuando para
sul à procura dos destroços submersos do Titanic, ainda com música nos salões
de baile, instrumentos de cordas, violinos, os esqueletos batendo a cadência do
compasso com o que lhes sobra das falangetas. É ainda outono, sexta-feira de
manhã, um sol frouxo e pouco como se fosse ontem e nos chegasse directamente do
estado social, no meio da tralha da indústria e do insulto plangente da
retórica, promessas líquidas dos peregrinos que rezam o terço nos recintos dos
santuários e nos corredores dos ministérios.
Mais longe do que isso fica
o trópico de Câncer, o traço realista de Henry Miller, visão utópica de novos
mundos na ponta curva do leme das caravelas, só o redondo dos teus seios,
pronto a queimar-me nas mãos todo o degelo que trago pendurado ao pescoço, os
lábios frios do fogo que crepita nas lareiras rústicas dos antigos solares de
província, a igreja da freguesia vestida de nevoeiro cerrado que desce das
colinas. Para lá do fogo fica o tacto procurando a descoberta de caminhos novos,
percorrendo todos os silêncios doces da tua boca, desenhando todas as curvas
suaves do teu corpo em que pousam as nuvens carregando os sonhos da noite de quarto
minguante. E a voz que se solta, como se fosse outro dia e a lua nova.
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