Alvorada de um novo ano bissexto
Aqui estou eu, levemente
encostado a uma minúscula esquina do dia que corre a caminho do passado, como
camélias dobradas e frágeis, caídas com a chuva teimosa das noites
intermináveis de inverno. Trezentos mil sóis nascendo a ocidente, como se
fossem barcos de quilhas desfeitas e leme partido, tecendo a densa escuridão da
noite e encalhando nos rochedos erectos, à beira da praia, com o silêncio
estridente da tripulação gritando por mar calmo e peixes vermelhos de aquário
espreguiçando-se nas areias finas e reluzentes.
E tu, memória da jovem
rapariguinha plantada na berma dos carreiros, virgem prostituta do palco da
vida, tomando café à mesa de uma pastelaria da baixa numa manhã de domingo, o
puro prazer das descobertas caindo-te do olhar pequeno e frouxo, escorrendo-te dos
lábios curtos para o vazio dos seios mirrados, crescendo sobre a camada de
caruma caída da sombra incompleta dos pinheiros. O verão rachado em cavacas, a
golpes certeiros de machado, que hão-de crepitar nas fogueiras do infinito,
enquanto dobram os sinos das igrejas e se sobrepõem os ponteiros dos relógios
nas curvas apertadas e sinuosas de uma longa noite, sem estrelas e sem luar. Como
o horizonte da órbita fechada em que gravita Plutão, quando chega a alvorada de
um novo ano bissexto.
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