Escola vinte e um
Estou aqui desde sempre
De vida dada convosco
Como se estivéssemos a uma
esquina de África
E nunca daí nos tivéssemos
mexido.
Uma escola pública num
bairro periférico
Uma carteira de dois lugares
com um tinteiro a meio
E uma pena com um aparo na
ponta
Para aprendermos a desenhar
os anos do futuro.
A sala de aulas onde terá
morado antes uma mercearia
Com toscas estantes de
madeira
E barras de sabão azul
cheirando à frescura dos eucaliptos
Do outro lado da rua.
Vestindo uma bata
imaculadamente branca
Como se a terra não fosse
vermelha
E as águas barrentas da
chuva não corressem na valeta.
O aperto incómodo na bexiga
pequena
Antes da hora do recreio e a
pergunta solene:
Senhora professora, posso ir
lá fora?
E a autorização carrancuda,
como tudo o que é superior
Ao chão que é nosso e aos
apertos da bexiga cheia.
A saída lenta, respeitosa e
reverente
Antes da corrida aflita
Atravessando a rua feita só
de terra e de charcos
À procura do mais discreto
eucalipto
Capaz de calar o segredo e
de ocultar a intimidade
Que éramos para além da bata
e da braguilha dos calções.
Nada,
Nem automóveis nem pessoas
utilizando a rua sem serventia,
Só casas de um lado,
Do outro uma mata de
eucaliptos para alimentar as fornalhas
Dos comboios que iam
atravessando a terra imensa,
Muito para lá de onde ficava
o cinema
E a estrada curvava para o
Bailundo
Sem se saber o que podia ser
tão longe
Que ainda ficava para lá daquele
nome e daquele lugar.
Às onze e meia em ponto
O apito agudo e prolongado
que chegava do desconhecido
Que ficava para lá dos
eucaliptos,
Onde eram as oficinas do caminho-de-ferro
E trabalhavam quase todos os
adultos do bairro,
O relógio exacto da cidade,
sem necessidade de meridiano nenhum,
Que soava para que se
soubessem as horas e o que havia para fazer,
Pegar ao serviço às sete da
manhã, ir almoçar,
Retomar o serviço à uma da
tarde,
E às cinco era tempo para o
regresso a casa e ao descanso.
Crescemos todos no meio dos
capinzais e nunca nos perdemos da vida
Sabíamos o caminho para
todos os lugares
Todos os carreiros eram
parte da nossa família
Aprendemos a tabuada como se
fosse uma cantiga
Fizemos o exame da quarta
classe
Que deu para eu ganhar o meu
primeiro relógio de pulso
Fomos à catequese,
aprendemos as orações, fizemos a primeira comunhão
Espalhá-mo-nos por diferentes
destinos
Namorámos
Muitos voltaram ao ponto de
partida para casar,
Tiveram filhos e viram os
anos passar
Com a chegada das chuvas e
dos frios da madrugada.
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