13 de junho de 2017

Escola vinte e um

Estou aqui desde sempre
De vida dada convosco
Como se estivéssemos a uma esquina de África
E nunca daí nos tivéssemos mexido.
Uma escola pública num bairro periférico
Uma carteira de dois lugares com um tinteiro a meio
E uma pena com um aparo na ponta
Para aprendermos a desenhar os anos do futuro.
A sala de aulas onde terá morado antes uma mercearia
Com toscas estantes de madeira
E barras de sabão azul cheirando à frescura dos eucaliptos
Do outro lado da rua.
Vestindo uma bata imaculadamente branca
Como se a terra não fosse vermelha
E as águas barrentas da chuva não corressem na valeta.
O aperto incómodo na bexiga pequena
Antes da hora do recreio e a pergunta solene:
Senhora professora, posso ir lá fora?
E a autorização carrancuda, como tudo o que é superior
Ao chão que é nosso e aos apertos da bexiga cheia.
A saída lenta, respeitosa e reverente
Antes da corrida aflita
Atravessando a rua feita só de terra e de charcos
À procura do mais discreto eucalipto
Capaz de calar o segredo e de ocultar a intimidade
Que éramos para além da bata e da braguilha dos calções.
Nada,
Nem automóveis nem pessoas utilizando a rua sem serventia,
Só casas de um lado,
Do outro uma mata de eucaliptos para alimentar as fornalhas
Dos comboios que iam atravessando a terra imensa,
Muito para lá de onde ficava o cinema
E a estrada curvava para o Bailundo
Sem se saber o que podia ser tão longe
Que ainda ficava para lá daquele nome e daquele lugar.
Às onze e meia em ponto
O apito agudo e prolongado que chegava do desconhecido
Que ficava para lá dos eucaliptos,
Onde eram as oficinas do caminho-de-ferro
E trabalhavam quase todos os adultos do bairro,
O relógio exacto da cidade, sem necessidade de meridiano nenhum,
Que soava para que se soubessem as horas e o que havia para fazer,
Pegar ao serviço às sete da manhã, ir almoçar,
Retomar o serviço à uma da tarde,
E às cinco era tempo para o regresso a casa e ao descanso.
Crescemos todos no meio dos capinzais e nunca nos perdemos da vida
Sabíamos o caminho para todos os lugares
Todos os carreiros eram parte da nossa família
Aprendemos a tabuada como se fosse uma cantiga
Fizemos o exame da quarta classe
Que deu para eu ganhar o meu primeiro relógio de pulso
Fomos à catequese, aprendemos as orações, fizemos a primeira comunhão
Espalhá-mo-nos por diferentes destinos
Namorámos
Muitos voltaram ao ponto de partida para casar,
Tiveram filhos e viram os anos passar
Com a chegada das chuvas e dos frios da madrugada.

[Fotografia; cortesia de Manuela Santana]

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