No dia de África
No dia 25 de Maio, que é o
dia de África. África que tem todos os dias do ano. Porque África podia ser um
bairro e não é. Podia ser um sítio, um lugar, uma aldeia. Só uma vila, só uma
cidade. Podia ser um país, um continente, um satélite. Um mundo inteiro. Podia
ser um sistema planetário, um universo. Até mais do que tudo isso, um faz de
conta. E não é, porque África não cabe em nada disso. África é um primeiro
nome, e um segundo, e uma sequência interminável deles. Um alinhavo sempre
provisório que se não sabe onde começa ou quando acaba.
África é um nome de lugar,
um vikanjo escondido para lá do carreiro, correndo a custo por sob as frondosas
copas das árvores tropicais. É uma chuva de meia hora, que cai com a
intensidade de uma paixão adolescente que se sonha. E que se vive, intensa,
demolidora. Um extenso capinzal que nos encobre e que acolhe na sua solidária
dimensão répteis e insectos. Com pequenos pássaros balouçando lhe nas pontas,
ao ritmo de um vagaroso vento quente que chega do deserto.
África é nome de rio que
corre para oriente ou para ocidente, toda a rosa-dos-ventos. Com o sol sempre a
nascer por detrás da mesma mulemba. É nome de todas as Kalandulas em que se
precipita ao longo do percurso. Nome de todas as curvas e contracurvas em que
se espreguiça antes de morrer num estuário a saber a sal e a peixe prata, desde
todas as alturas. Morro do Moco ou Kilimanjaro. África é nome de peixe, doce como todas as
lagoas do Panguila, bom como kakussos de todos os rios.
África é mukua, nome de
fruta, nome de pássaro, katuiti, nome de bicho, palanca preta. Nome de pessoa,
nome de terra. Xamissassa, a mística que mora no meu peito, a mulemba grande no
meio do largo, os velhos com as pernas estendidas ao sol. Nome de pedra grande
onde se pisa o milho, arrastando as pancadas ao som interminável da
lenga-lenga, enquanto a farinha alva se fabrica para a comida de logo à noite.
A panela no chão, todos sentados em volta, dois dedos da mão respeitando as
hierarquias. Fuba boa essa, a que fez esse pirão. O carapau seco, assado no
fogo, escaldando os dedos da outra mão.
África é o humanismo de
Senghor nas matas do Senegal, negritude do século passado. Partilhado com o
mundo, sem direitos de autor e sem propósito de lucro. África é Cabinda, com Simulambuco
ou não. É Kwanza, N’dalatando, Kaxito, Kibala, Bailundo, Benguela, Huambo, Bié,
Menongue, Ondgiva, Kunene. África é a extensa liberdade com que se escreve cada
nome, sem regras e sem acordo ortográfico. Cada um deles, um frenético passo de
dança, uma eminência de bassula, as costas no chão. Terra vermelha da
Sambizanga, areia quente da Praia Morena. África é mais do que tudo isso.
Kambariangue, kambarietu. África é mãe, Mãe África!
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