8 de julho de 2017

No antigamente a vida acontecia devagar

No antigamente a vida acontecia devagar, sem asfalto cobrindo as ruas, sem sinaleiros de capacete caiado, regulando o trânsito, de apito na boca, com a água da chuva correndo nas valetas das bermas da estrada, desenhada naquela mágica terra vermelha. Os capinzais subiam, pujantes, da virgem fertilidade do chão extenso e húmido. Era livre o voo azul e inquieto dos catuitis. A cidade era apenas um pequeno e desordenado conjunto de casas térreas, ainda sem destino, sem saber bem como e para onde crescer, à espera do futuro.

O Bairro de Benfica era só uma estrada que fugia da cidade, depois de atravessar, por baixo, a linha férrea e de deixar para trás a Rua do Comércio, que se não sabe a que santo ficara a dever o nome de baptismo. Poucas centenas de metros adiante, inclinava-se para a esquerda e iniciava a longa descida em direcção ao Kussava, em cujo vale corria um rio só pequeno, serpenteando sob a copa verde das árvores, à procura de um mar ainda longe demais.


Era daí que diariamente, pelo frio baço da manhã, em fila indiana, subiam as quitandeiras, de pés descalços, com a cesta equilibrada sobre a rodilha pousada no alto da cabeça. O seu pregão chegava como elas, progressivamente, umas atrás das outras, anunciando a qualidade e o preço dos morangos, das bananas, das mangas, dos loengos. Numa língua única, que era só delas, deixando o umbundo inteiro do quimbo e adquirindo o arrevesado português da boca das senhoras. É os jimorango, jimorangué, meia cinco, os jibanana bom, vikuanla um angolar! Mais abaixo era a loja do senhor Carneiro, a escola do outro lado, com os meninos todos vestidos de bata branca, chilreando no recreio, à espera do toque agudo da sineta. E no meio de um pequeno largo, a igreja, ainda em construção!

1 Comentários:

Às 6:20 da tarde , Anonymous Porfirio disse...

Deduzo pela leitura do texto que a cena se passa algures em Angola, devido á moeda angolar que corria naquele tempo em que, também eu andei por lá e convivi com ela.
Apenas não conheci esse Bairro de Benfica. Será que a cena se passa noutra cidade que não a de Luanda?

 

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