Hoje acordei com um pardal na almofada
Hoje acordei com um pardal
na almofada. Que impertinente, sem me dar tempo para esfregar os olhos, disse –
piou, porque é o pio que é a voz dos pardais:
- Se não acordasses,
fazia-te o ninho atrás da orelha.
Com o meu mundo ainda
reduzido à dimensão da ramela, retorqui-lhe:
- Fritava-te!
Com um pio de escárnio,
respondeu-me, esvoaçando e rindo:
- Eu sou um pardal, não sou
um burro. Além disso, sou previdente. Já passei pela tua cozinha e vi que tens
lá uma frigideira, mas não tens tem nem azeite, nem óleo. Queres que te abra as
janelas, para entrar luz, a ver se acordas melhor?
Sem aguardar por resposta
minha, ergueu as persianas e um manto de sol espalhou-se sobre a cama. Esbarrou
contra o vidro, cambaleou, aguentou-se a golpe de asa, inquiriu:
- Que tens tu na janela, que
vejo o sol e as nuvens do outro lado da rua e não consigo voar até lá? Quase
caio ao chão, morto, como se chocasse com um comboio ou com uma ave de rapina?
E, reparando nos livros que
repousam a meu lado, sobre o colchão, fechados no último sono, inquire-me,
piando fino:
- Andas a ler tantos livros
ao mesmo tempo? És escritor?
- Tinha de te apanhar, sacana
de passarito, pequeno e ignorante. Quem lê livros é um leitor, quem os escreve é
um escritor, há vários dicionários na sala. Quer dizer, o escritor escreve-os
para que o leitor os leia. São tarefas diferentes, entendes? Ninguém faz o
trabalho dos outros, mas a literatura não é para pássaros. E os dicionários
também não.
Nisto, faltou-me a almofada
e o pardal. Assim vão quarenta e cinco dias, confinado ao espaço da gaiola. Sem
espaço para o voo e sem grão que me empertigue o papo!
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