28 de fevereiro de 2021

O confinamento

 

Hoje, domingo, entre as 12 e as 13 horas a Foz do Douro era uma festa. O mar, quase raso, rebrilhando ao sol, desconfinado de todo, de águas abertas. Na frente marítima, a azáfama do costume, com a pérgula previdentemente recolhida atrás do slogan único que o doutor Moreira, vizinho próximo, inventou produtivamente em dois mandatos, sem supérfluos agradecimentos ao quase doutor Xicão, de momento ocupado com a definição do seu lugar na lista dos candidatos à marcha do Alto de Pina.

Crianças de triciclo, outras, menos crianças, de bicicletas infantis, os cabelos soltos, esvoaçando ao sabor da brisa, bracinhos desconfinados, o nariz arrebitado para nascente, onde já o sol subiu alto. Jovens raparigas adolescentes desconfinando a promessa de seios erectos, às vezes ainda remota e reduzida. Jovens másculos de ideias, promovendo o Rambo, descofinando algum músculo nas cochas ameaçando revestir-se de pelos, exibindo os calcanhares e os joelhos. Mais velhos ou mesmo só velhos, catalogados como idosos, desconfinando as pernas, saindo dos calções, estugando o passo, ultrapassando o ritmo da marcha, sempre com um pé no chão e alguma virilidade ao dependuro.



Na brisa breve e ensolarada, a omnipresença celestial do senhor Zuckerberg e da bolsa de Nova Iorque, vigilantes e atentos, temendo pela queda das cotações e pela subida do enigmático RT, já explicado duas centenas de vezes, no âmbito do direito romano, por sua excelência o jubilado professor Marcelo, ausente da final do torneio de Rolland Garros, devido à crise da Covid e à falta de dívidas pessoais de muito ilustres comendadores da nossa praça e da quinta da bacalhoa, colheita de 2015 ou anterior. Nádegas desconfinadas, nádegas de verdade, robustas e férteis, a par com mamas que se mostram à premonição primaveril. Uma heterogénea multidão, respeitando a igualdade de género, o atropelo à distância de segurança e à projecção da sacana da gripezinha com que se debatem ainda o Brasil e o Palácio do Planalto, para perturbar o sono solto do jagunço presidente.

Não é assim que vamos santificar o bispo do Porto senhor Dom António, ó doutor Moreira, mesmo num seu terceiro mandato, com ou sem edifícios erguidos à sombra da ponte da Arrábida, apesar da sua assinatura de cruz: Porto ponto. Nem, tão pouco, incluir nas colectâneas os heroicos feitos do explorador do Brasil, doutor João aristocraticamente de Loureiro, apanhado sem asas em pleno voo, como um periquito amestrado. E pronto, é ver a festa, o mar a rir-se ao ouvir o doutor Rio a falar alemão, mesmo quando imita a pronúncia do norte e desafina uma oitava abaixo do senhor Reininho.

 

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