O café Polo Norte
Era tempo de calor, a meio
da manhã, até posso estar esquecido, os meus dias não têm mais trópicos. O Polo
Norte ficava na esquina, uma rua descia até à baía, passava nos correios,
desaguava na marginal. A outra ia até ao Baleizão, podia virar-se à direita,
morria também na marginal, atravessava a ponte, tinha a ilha toda à frente, a
contracosta à esquerda, até à ponta. O nome das ruas já me esqueceu, também não
interessa, sei que já lho mudaram, o meu tempo agora é só de bica e cimbalino.
A senhora jovem atravessou a
rua com o filhito pela mão, entrou, encostou-se ao balcão, pediu um café. O pequenito
– três, quatro, cinco anos? – empunhava sem nenhum entusiasmo um bolo de arroz,
ia mirando os pasteis de nata expostos na vitrina, os olhitos brilhando de
desejo:
- Mãe, quero aquele bolo.
- Não, já tens um. Come
esse.
O pequenito não desistiu,
foi insistindo debalde, sem resultado.
…
- Já te disse, come o que
tens na mão.
- Este bolo é uma merda.
Não consegui engolir o café
que tinha na boca, espirrei-o por cima do balcão, creio que me sujou o bolso da
camisa, escorreu para dentro do maço de cigarros. Ainda eram os meus tempos de
LM – felizmente já não são, há mais de vinte e sete anos -, o AC era por ali
bem perto. A senhora deixou o dinheiro do café em cima do balcão, saiu
apressada, o miúdo carregando o bolo de arroz e o desencanto. Eu já nem sei que
camisa vestia, devia ter sido comprada na camisaria brasília, mas ainda me rio
sozinho. Hoje e aqui, sob a ameaça do vírus e da chuva.
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