9 de maio de 2020

O café Polo Norte


Era tempo de calor, a meio da manhã, até posso estar esquecido, os meus dias não têm mais trópicos. O Polo Norte ficava na esquina, uma rua descia até à baía, passava nos correios, desaguava na marginal. A outra ia até ao Baleizão, podia virar-se à direita, morria também na marginal, atravessava a ponte, tinha a ilha toda à frente, a contracosta à esquerda, até à ponta. O nome das ruas já me esqueceu, também não interessa, sei que já lho mudaram, o meu tempo agora é só de bica e cimbalino.

A senhora jovem atravessou a rua com o filhito pela mão, entrou, encostou-se ao balcão, pediu um café. O pequenito – três, quatro, cinco anos? – empunhava sem nenhum entusiasmo um bolo de arroz, ia mirando os pasteis de nata expostos na vitrina, os olhitos brilhando de desejo:

- Mãe, quero aquele bolo.
- Não, já tens um. Come esse.

O pequenito não desistiu, foi insistindo debalde, sem resultado.
- Já te disse, come o que tens na mão.
- Este bolo é uma merda.

Não consegui engolir o café que tinha na boca, espirrei-o por cima do balcão, creio que me sujou o bolso da camisa, escorreu para dentro do maço de cigarros. Ainda eram os meus tempos de LM – felizmente já não são, há mais de vinte e sete anos -, o AC era por ali bem perto. A senhora deixou o dinheiro do café em cima do balcão, saiu apressada, o miúdo carregando o bolo de arroz e o desencanto. Eu já nem sei que camisa vestia, devia ter sido comprada na camisaria brasília, mas ainda me rio sozinho. Hoje e aqui, sob a ameaça do vírus e da chuva.





 

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