13 de maio de 2020

Duas lágrimas sobre o orvalho da manhã [Mais uma lágrima tombando com o nevoeiro]


[O texto que se segue é de há três anos e foi uma evocação saudosa às memórias de minha Mãe. Que ali esteve quando Fátima era só Cova da Iria, um “bajanco” de água da chuva no cimo da serra agreste, as azinheiras sobrevivendo no meio do horizonte de pedra. E porque hoje o local é um sítio deserto, escapando-se suavemente entre o nevoeiro que desce, como se fosse uma cortina que se fechasse. Volto não alterando o texto, mas apenas acrescentando-lhe mais essa imagem. E mais uma lágrima, tombando com o nevoeiro.]


Duas lágrimas sobre o orvalho da manhã. O sol atravessando as copas perenes das azinheiras. Algumas nuvens brancas riscando a serra. E quase cem anos de permeio. E tu menina, feliz no teu vestidito novo e pobre de chita barata. Correndo pelo carreiro, quando te é curto o passo, para acompanhar a marcha de mulheres adultas, a quem a tua mãe te confiou: não me percam a rapariga.

Duas imagens e a proximidade a que me ficas, na larga distância dos anos. Da Cova da Iria não resta quase nada, nem o nome. Desapareceu o charco na cova do terreno, as pedras que emolduravam a serra e, mesmo as azinheiras, vão escasseando na beira estreita dos caminhos. Pararam por desuso, ao abandono, os moinhos de vento da Fazarga e da Ortiga.


Hoje fizeram santos os pastorinhos que morreram crianças. Sabes, não é importante. Cada mulher é canonizada com cada filho que dá ao mundo. Aos anos que te tenho neste altar que trago na cabeça, minha Mãe. Apenas por isso te trago aqui!

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