Dia de todos os santos
Chega
Novembro e logo no primeiro dia, sendo feriado nacional, lembra-se a descoberta
da Baía de Todos os Santos, como se isso bastasse para afirmar o país no
concerto das nações, incluindo a corte de Viena de Áustria, as praias das Seicheles
e o arquipélago de S. Tomé e Príncipe.
Dia
de todos os santos? Que designação obtusa, sem respeito por valores e
princípios que deveríamos preservar e consolidar. Que propósito generalista e
inclusivo, como se nele pudessem caber todos, desde D. Afonso Henriques ao
Santo Condestável e ao senhor cardeal patriarca de Lisboa. É inaceitável esta
abertura esquerdista aos indigentes e aos vadios, acolhendo quem não tem
ocupação, vive de expedientes, vende banha da cobra e óleo de jacaré e
sobrevive à custa do subsídio de desemprego e do rendimento mínimo nacional.
Isso é desrespeitar quem é filho de boas famílias, foi baptizado à nascença,
frequentou a catequese, fez a primeira comunhão e vai religiosamente à missa de
domingo, comungando a batendo com a mão no peito, para remissão dos pecados.
Claro que a questão remonta à fundação da nacionalidade, o que não quer dizer
que responsabilizemos o nosso primeiro rei que, todavia, foi seguramente mal
aconselhado. Não terá tido o conjunto de assessores de que precisava e que
obviamente merecia, apesar dos seus serviços terem onerado o orçamento do
estado como, à época, soube salientar o senhor Egas Moniz prostrado, de
joelhos, implorando a benevolência divina e a protecção dos pastorinhos de
Fátima e do senhor presidente da junta.
E
que fez o governo? Criou um ministério, instalou-o no Parque das Nações ou no
castelo de São Jorge, deu-lhe um orçamento e nomeou um ministro? Nada disso,
limitou-se a continuar à espera de D. Sebastião, não se preocupando sequer com
as previsões do tempo, a saber se o mesmo trazia o nevoeiro até ao mar da
palha. Limitou-se a esperar e, vá lá, comprou patrioticamente submarinos,
nomeando um ministro que foi morar para o forte de Caxias, de forma a vigiar de
perto a entrada da barra e os do reviralho das quintas do Seixal. Mas não foi
além disso, não lhe deram tempo, encurtaram-lhe as rezas e a duração do terço.
E os submarinos não chegaram sequer a Santarém, não derrubaram a resistência
das portas do sol, não ocuparam a fertilidade da lezíria, não tomaram Almeirim.
Não dominaram mais do que a bacia do Sorraia, tomada pela invasão dos jacintos
de água, impedindo a cultura da minhoca, a pesca à linha e a saída das naus a
caminho da Índia, a buscar especiarias e a converter os infiéis à força da
oração e da espada.
Quase
novecentos anos de história e tantos equívocos, apesar do Mestre de Aviz ter
dado cabo do canastro ao conde Andeiro e de na Câmara de Lisboa se ter deitado
Miguel de Vasconcelos da varanda abaixo, abrindo finalmente caminho à chegada heroica
do engenheiro Moedas, com pequeno valor facial mas com elevada cotação na bolsa
de Bruxelas e na praça de Monforte. De resto, sem que ninguém gritasse chega,
reabilitasse el rei D. Miguel e ordenasse a imediata ocupação de Olivença e
reconquista da Índia, de Goa a Damão e Diu. Um visionário cruzado, com a cruz
de Cristo pintada na testa, ainda celebrando a portuguesíssima tradição das
bruxas e empanzinando-se com arroz de sarrabulho e rojões à moda do Minho, nos
restaurantes das margens do rio Lima, acompanhado dos vinhos de selecção da
Brejoeira. Não pode ser, todos os santos não, não podem acolher-se todos à mesma
manjedoura e ao mesmo pasto. Que na semana que vem isso seja levado em
consideração na feira de Espinho para que possa descer o preço do cobertor. E
para que voltem à praia os nadadores salvadores, a vigiar as areias e o voo das
gaivotas.
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