11 de fevereiro de 2004

Comprimir Portugal

Liberalizar despedimentos para criar riqueza. Para os desempregados!Apesar da solenidade, da ementa, dos claustros e do convento já se adivinhava que a missa ia ser dita em latim e se sabia a ladaínha de cor e salteado. Um equívoco apenas quanto aos objectivos enunciados, desculpável em pessoas muito mais habituadas a lidar com números do que com palavras. Por lapso, erro tipográfico ou má qualidade da magnetização das fitas, e ainda por má dicção, passou o entendimento de que se tratava de um "compromisso Portugal". Corrige-se, faz-se uma errata, imprime-se numa folha de formato normalizado e distribui-se. Queria dizer-se "comprimir Portugal". Sendo que, mesmo assim, Portugal ainda está a mais, meio desenquadrado e fora do contexto.

Para além do dito corrente nunca tivemos conhecimento de que uma montanha tivesse parido fosse o que fosse. É naturalmente abusiva a conclusão de que o Evereste tenha parido um rato que, coitado, morreria de frio logo à nascença por se ter armado em João Garcia. Nem a serra da Estrela ou de Candeeiros pariram fosse o que fosse. O Convento do Beato voltou a ser transformado em rico auditório de ricas universidades, em refeitório com mais conforto e melhor ementa do que os refeitórios dos quarteis, mas não se viu convertido em maternidade Alfredo da Costa. Nada, de novo, ali deu ontem o seu primeiro berro de vida nem usou a primeira fralda. Descartável!

Os jornais de hoje publicam a ladaínha, traduzida para português, que os relapsos alunos já levavam no bolso, a título de cábula, para se não esquecerem de nenhum ponto. Nunca se fala em Portugal, que já se não sabe se existe e que nunca esteve em causa. Sabendo-se, isso sim, que difícil é comprimir aquilo que não há. À saída, no fim dos trabalhos, eram tecidos largos encómios à distinção dos presentes e às inconfundíveis gravatas de setenta contos. Veladas críticas foram sussurradas sobre o antiquado mau gosto de alguns fatos comprados nos saldos e às indisfarçáveis olheiras de um ou outro, provavelmente chegado aos trabalhos directamente da árdua noitada. Enquanto se tapava a boca com a mão e se continha o arroto, elogiava-se a ementa, muito justamente. Especialmente o divinal faisão apanhado à mão por pretos licenciados importados da Guiné e as ovas de esturjão pescado a pontapé por pés descalços recrutados no Uzebequistão. Sem referência passaram as vulgares batatas a murro, - na ementa dignamente designadas por "pommes de terre" - mesmo que especialmente criadas em estufa numa diminuta herdade alentejana de 500 hectares.

Conclusão nova e unânime é a de garantir maior flexibilidade na legislação laboral, permitindo o despedimento. Não se conclui que seja necessário mandar à escola empresários e gestores, indiscutíveis herdeiros e seguidores do Dr Salazar, no simples e linear cumprimento de uma missão divina. A de criar riqueza para eles e para a família.

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