Em defesa do ambiente: um secretário de estado do lixo
O cidadão português não é exigente. É ignorante, convencido e injusto. Com a sobranceria dos trinta por cento de analfabetismo mantém a convicção de ser o melhor do mundo e acha ter sido tramado por tudo e por todos quando isso não acontece. E, como sabemos por experiência própria, nunca acontece.O cidadão português desdiz sempre dos outros, mas nunca de si próprio. Ou porque falam línguas que ninguém entende, como os finlandeses, ou porque bebem como esponjas, se embebedam e provocam desacatos como os adeptos do Manchester United. Mas, apesar disso, não entende nunca o que diz o Dr Alberto João com o seu sotaque cerrado da Ribeira Grande nem o português lapidado, como se fosse um diamante da Lunda, da Dra Edite Estrela. Orgulha-se, paralelamente, de ter a mais alta taxa de alcoolismo da União Europeia e de ainda haver velhos e novos, nos meios rurais, que tropeçam e caiem pelas valetas, grossos como um cacho, onde adormecem ao relento da noite. A curtir a desgraçada!
Para além disso são invariavelmente injustos. Primeiro para com os estrangeiros, depois para com os nacionais que não torcem pelo mesmo clube, que não frequentam a mesma sala de cinema ou não vêem os mesmos programas de televisão. Juntam-se em associações sem fins lucrativos, que depois são consideradas de utilidade pública, para afrontar tudo e todos. Em defesa do ambiente, por exemplo, criticam-se os que estabelecem suiniculturas que lançam directamente no remanso bucólico do rio Liz os mal cheirosos dejectos. Ou os que dão a recantos menos divulgados da serra da Estrela um aspecto mais típico e mais trágico, abandonando a céu aberto as marrãs mortas no parto. Em uníssono, depois, critica-se e ataca-se o governo, seja qual for a sua cor partidária, como se ele tivesse feito alguma coisa. Embora todos saibam, à partida, que nunca fez nada.
Ainda agora, na edição de sexta-feira, o Jornal de Notícias publica uma fotografia do Sr José Eduardo Martins, ilustríssimo Secretário de Estado do Ambiente, e cola-lhe ao lado uma seta com o bico virado para baixo acompanhando-a do seguinte texto: "Mas que proposta! Como é que se pode multar quem não separa o lixo? Vigiando os caixotes? Remexendo os sacos à procura de indícios?". Para começar, a seta e o texto estão a mais: o jornal não tem que emitir opinião, tem apenas que noticiar. Um secretário de estado é um responsável político, como um presidente de uma junta de freguesia. É uma pessoa de respeito. O que pensa que faz, pensa sempre também tê-lo feito a bem da comunidade, no interesse nacional, patrioticamente. E, no caso vertente, já bastava o ar espantado do secretário de estado como se fosse perseguido por uma brigada completa da polícia de trânsito ou pelos cobradores de fraque da Dra Manuela Leite.O cidadão português tem que, por uma vez, compreender e aceitar o patriotismo dos que o governam e passar a ser ilustrado, humilde e justo. Passando também a ser exigente. Portugal está na vanguarda dos países que adoptam medidas rígidas de protecção ao ambiente. A Quercus, definitivamente, vai dissolver-se e os seus membros perder-se nas galerias calcárias das serras de Aire e Candeeiros. A coligação entre o partido comunista e os verdes deixa de ter razão de ser, para descanso do primeiro-ministro. O país, orgulhosamente, deixa para trás os americanos que renegaram o protocolo de Kyotto e que, em defesa do ambiente, apenas desencadeiam guerras e queimam derivados do petróleo. Somos o primeiro país a ter um secretário de estado do lixo. Depois de já termos tido e de continuarmos a ter muitos ministros para o lixo, Quanto à regulamentação das multas, segue para a semana. Para já o secretário de estado está de fim de semana!


0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial