29 de fevereiro de 2004

Em defesa do ambiente: um secretário de estado do lixo

O cidadão português não é exigente. É ignorante, convencido e injusto. Com a sobranceria dos trinta por cento de analfabetismo mantém a convicção de ser o melhor do mundo e acha ter sido tramado por tudo e por todos quando isso não acontece. E, como sabemos por experiência própria, nunca acontece.

O cidadão português desdiz sempre dos outros, mas nunca de si próprio. Ou porque falam línguas que ninguém entende, como os finlandeses, ou porque bebem como esponjas, se embebedam e provocam desacatos como os adeptos do Manchester United. Mas, apesar disso, não entende nunca o que diz o Dr Alberto João com o seu sotaque cerrado da Ribeira Grande nem o português lapidado, como se fosse um diamante da Lunda, da Dra Edite Estrela. Orgulha-se, paralelamente, de ter a mais alta taxa de alcoolismo da União Europeia e de ainda haver velhos e novos, nos meios rurais, que tropeçam e caiem pelas valetas, grossos como um cacho, onde adormecem ao relento da noite. A curtir a desgraçada!

Para além disso são invariavelmente injustos. Primeiro para com os estrangeiros, depois para com os nacionais que não torcem pelo mesmo clube, que não frequentam a mesma sala de cinema ou não vêem os mesmos programas de televisão. Juntam-se em associações sem fins lucrativos, que depois são consideradas de utilidade pública, para afrontar tudo e todos. Em defesa do ambiente, por exemplo, criticam-se os que estabelecem suiniculturas que lançam directamente no remanso bucólico do rio Liz os mal cheirosos dejectos. Ou os que dão a recantos menos divulgados da serra da Estrela um aspecto mais típico e mais trágico, abandonando a céu aberto as marrãs mortas no parto. Em uníssono, depois, critica-se e ataca-se o governo, seja qual for a sua cor partidária, como se ele tivesse feito alguma coisa. Embora todos saibam, à partida, que nunca fez nada.

Ainda agora, na edição de sexta-feira, o Jornal de Notícias publica uma fotografia do Sr José Eduardo Martins, ilustríssimo Secretário de Estado do Ambiente, e cola-lhe ao lado uma seta com o bico virado para baixo acompanhando-a do seguinte texto: "Mas que proposta! Como é que se pode multar quem não separa o lixo? Vigiando os caixotes? Remexendo os sacos à procura de indícios?". Para começar, a seta e o texto estão a mais: o jornal não tem que emitir opinião, tem apenas que noticiar. Um secretário de estado é um responsável político, como um presidente de uma junta de freguesia. É uma pessoa de respeito. O que pensa que faz, pensa sempre também tê-lo feito a bem da comunidade, no interesse nacional, patrioticamente. E, no caso vertente, já bastava o ar espantado do secretário de estado como se fosse perseguido por uma brigada completa da polícia de trânsito ou pelos cobradores de fraque da Dra Manuela Leite.

O cidadão português tem que, por uma vez, compreender e aceitar o patriotismo dos que o governam e passar a ser ilustrado, humilde e justo. Passando também a ser exigente. Portugal está na vanguarda dos países que adoptam medidas rígidas de protecção ao ambiente. A Quercus, definitivamente, vai dissolver-se e os seus membros perder-se nas galerias calcárias das serras de Aire e Candeeiros. A coligação entre o partido comunista e os verdes deixa de ter razão de ser, para descanso do primeiro-ministro. O país, orgulhosamente, deixa para trás os americanos que renegaram o protocolo de Kyotto e que, em defesa do ambiente, apenas desencadeiam guerras e queimam derivados do petróleo. Somos o primeiro país a ter um secretário de estado do lixo. Depois de já termos tido e de continuarmos a ter muitos ministros para o lixo, Quanto à regulamentação das multas, segue para a semana. Para já o secretário de estado está de fim de semana!

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