18 de fevereiro de 2004

O aborto e as 17 absolvições no Tribunal de Aveiro


Defeito meu, se calhar congénito, não há nada a fazer. Muitas vezes tenho grandes dificuldades em compreender determinadas situações e outras há que, de todo e por mais que me esforce, não consigo entender. O Tribunal de Aveiro mandou ontem em paz 17 arguidos que foram julgados por alegada prática de aborto clandestino, por não ter reunido provas suficientes para condenar nenhum deles. Até aqui, tudo bem. Os tribunais são independentes do poder político e devem continuar a sê-lo. Com a certeza de que essa independência não seja comparada à do Dr Bagão Felix perante o partido que o indicou para o governo porque esta é verdadeiramente falsa. Dr Portas nenhum indica para um cargo de ministro uma pessoa que não esteja sintonizada com o partido e que não seja da sua inteira confiança. A falta de filiação partidária - entenda-se a falta de cartão - não tem o mínimo significado. Não se passa a ser mais benfiquista quando se apresenta um proposta para sócio ou quando a direcção a aprova!

Os tribunais têm que julgar no âmbito de legislação que não produziram e que não têm competência para alterar. De forma independente do poder político, limitam-se a aplicar as leis que este lhes espalha em cima da mesa. Não compreendo, deste modo, todo o alarido que durante o julgamento foi feito à porta do tribunal, com manifestações e cartazes apelando à alteração da lei. Ou, pelo menos, não compreendo nem sequer aceito a presença da Dra Odete Santos e do Dr Miguel Portas, por exemplo, no meio daquela gente. É natural, e acontece, que nos julgamentos de província apareçam e se concentrem à porta dos tribunais, amizades, conhecimentos e simpatias das partes. Mesmo que não intencionalmente, são sempre uma forma, mesmo frouxa e indirecta de pressão. Mas limitam-se ordeiramente, e regra geral, a aguardar pelo desenrolar dos acontecimentos. Não passam de acompanhantes dos concorrentes aos concursos de televisão. São inofensivos de todo, não reclamam nenhum outro estatuto e não esperam nenhuma outra atenção.

A presença de políticos profissionais é diferente. E sendo diferente é estultícia, porque não quero crer que a Dra Odete Santos tivesse marcado presença como artista de teatro e o Dr Miguel Portas como economista. É-o por se terem enganado na porta, ainda por cima sabendo-o. Não tenho, por mim, uma ideia definitiva e consolidada sobre o aborto. Mas aceito que a respectiva legislação deva ser revista e mais, em resultado de novo referendo. O poder político, como se sabe, odeia os referendos quase tanto como os eleitores. Quer ser miguelista, perfeitamente absoluto, legitimando-se a si próprio como uma ditadura temporalmente limitada. Representativa sim, sem que se saiba de quê ou de quem. Participativa nunca, em nada e por ninguém.

Mas os políticos presentes, a meu ver, deram um tiro no pé e devem ter ficado sem a cabeça do dedo grande. A Dra Odete declarou mesmo que tinha sido uma decisão exemplar. Se a afirmação pudesse ser verdade estávamos conversados em relação à justiça. A sentença foi o que deveria ter sido, no âmbito e na vigência das leis que a suportaram. Interpretações extensivas serão um abuso e uma rábula. Os abusos não sei onde ou como são tratados. Mas as rábulas ainda sobem aos palcos do Parque Mayer!

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