A peixeirada laranja das presidenciais já começou
Dizia a minha avozinha, que Deus tem porque era uma santa, quando se referia aos naturais da freguesia que tinham demandado Lisboa e que por lá se entretinham a empinar copos de três ao balcão das tabernas do Cais do Sodré, a coçar o cu das calças pelas paredes da estação do Rossio e a conspirar contra o regime do Dr Salazar porque, apesar dos excedentes de produção, não baixava o preço do copo, que eram pessoas que não prestavam, que por lá andavam, na política. Sempre lhe dei razão embora nunca concordando com ela. Sempre lhe dei razão porque o respeitinho era, nessa época, uma coisa muito bonita. Respeitavam-se os pais, os avós, os professores, o pároco e, de um modo geral, toda a gente. Hoje a palavra deixou de ter significado, caiu em desuso, não consta dos dicionários e até a erudita Dra Edite Estrela se não recorda já muito bem de quando deixou de a aplicar.
Mas nunca concordei com ela porque, como jovem excessivo, a bebedeira ao balcão de uma taberna de Lisboa, virando copos e engulindo pasteis de bacalhau, era o máximo a que um provinciano, depois de ter ido à escola, poderia aspirar. Mesmo assim tinha alguns assomos de honestidade e achava que as palavras da minha avó eram também demasiado injustas para a malta de indigentes, néscios e pequenos marginais que semalmente enchiam a camioneta a caminho da capital. Achava que não mereciam um tal insulto e, se enveredavam pela política, não era pelo que lhes tinha sido ensinado pela professora primária. Seria das leituras, dos livros da falecida Agência Portuguesa de Revistas em cujo enredo, para triunfar, bastava ter um coldre pendurado à cintura, com uma pistola, e ser capaz de sacar dela e premir o gatinho mais rápido que a velocidade da luz.
Apesar de o usar agora, acho que o vocábulo peixeirada é inadequado e atentatório do bom nome das peixeiras que, de canastra à cabeça, ainda percorrem as ruas da cidade, visitando regularmente os seus velhos clientes que se mantêm vivos. A mim, pessoalmente, nunca me enganaram. A sardinha, o carapau e a chaputa que apregoam, vivinhos da costa, sempre foi aquilo que me venderam. A preço justo, muitas vezes a pagar no fim do mês, porque o ordenado sempre se me acabou ao dia quinze.
Mas a mais de dois anos de distância, quando o Dr Sampaio, à bolina, navega tranquilo a meio do seu segundo mandato, há gente nervosa, que se infiltra como agentes secretos nos copos de água dos casamentos para que não receberam convite, faz por ser vista à entrada das igrejas, gesticula por um lugar na tribuna das manifestações culturais que são os desafios de futebol e lamenta não poder ser filmado ao lado do Sr José Mourinho quando o mesmo, sabiamente, se pronuncia sobre o estado da erva e a desordem da areia em que a mesma medra.
À semana o governo segue as orientações do Dr Barroso para, ao domingo, o professor Marcelo se sentar a despacho, nem sempre observando as recomendações dos pareceres que lhe submetem. Não está prevista a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a legitimidade que seja. Há dois dias o professor Marcelo, que é muito religioso e que vai sempre à missa antes de se sentar para despacho, oficiou empenhadamente uma cerimónia fúnebre, encomendando aos anjinhos um corpo ainda quente, mas inerte e vazio que apenas se mantém de pé à custa do betão e, à noite, à custa de luzes feéricas e de músicas ultrasónicas.
Como acontece nas paróquias de província, nem sempre os fiéis estão de acordo com o padre, embora lhes fraquejem as pernas de medo com o conteúdo das prédicas que lhe ouvem do púlpito abaixo. Alguns organizam-se, socorrem-se das criancinhas que ainda têm na escola, exigem que o bispo transfira o indesejado para um sítio próximo da raia. Porque até foi capaz de criticar o Sr presidente da junta, um homem tão bom, tão simpático e que dá sempre para todos os peditórios. Outros são mais afoitos, nem reunem tropas, insultam o padre, espalham o boato de que se embebeda todos os dias, de que come como um alarve, - sendo apenas um abade! - que não visita regularmente o lar de idosos e que anda metido, por debaixo da sotaina, com duas catequistas e uma rapariga que serve em sua casa. Às vezes referem mesmo os muitos filhos que tem e cuja paternidade não assume, escudando-se na história do celibato e da castidade.
É esta peixeirada que já para aí vai, na praça pública, à conta de umas eleições que estão a mais de dois anos. Com a particularidade dos intervenientes principais terem aprendido a ladaínha no mesmo seminário, ajudado à missa na mesma igreja de bairro e usarem batinas da mesma cambraia, em tons de laranja forte. Revelando em público os segredos que as carenciadas viúvas de véu negro que vão à confissão lhes confiaram em sussurro.E ainda dizem que somos um povo que não trata de nada com antecedência e que vai entregar a declaração do IRS no último dia do prazo. Decerto que o Dr Cunhal exclamaria: olhem que não, olhem que não!
Mas nunca concordei com ela porque, como jovem excessivo, a bebedeira ao balcão de uma taberna de Lisboa, virando copos e engulindo pasteis de bacalhau, era o máximo a que um provinciano, depois de ter ido à escola, poderia aspirar. Mesmo assim tinha alguns assomos de honestidade e achava que as palavras da minha avó eram também demasiado injustas para a malta de indigentes, néscios e pequenos marginais que semalmente enchiam a camioneta a caminho da capital. Achava que não mereciam um tal insulto e, se enveredavam pela política, não era pelo que lhes tinha sido ensinado pela professora primária. Seria das leituras, dos livros da falecida Agência Portuguesa de Revistas em cujo enredo, para triunfar, bastava ter um coldre pendurado à cintura, com uma pistola, e ser capaz de sacar dela e premir o gatinho mais rápido que a velocidade da luz.
Apesar de o usar agora, acho que o vocábulo peixeirada é inadequado e atentatório do bom nome das peixeiras que, de canastra à cabeça, ainda percorrem as ruas da cidade, visitando regularmente os seus velhos clientes que se mantêm vivos. A mim, pessoalmente, nunca me enganaram. A sardinha, o carapau e a chaputa que apregoam, vivinhos da costa, sempre foi aquilo que me venderam. A preço justo, muitas vezes a pagar no fim do mês, porque o ordenado sempre se me acabou ao dia quinze.
Mas a mais de dois anos de distância, quando o Dr Sampaio, à bolina, navega tranquilo a meio do seu segundo mandato, há gente nervosa, que se infiltra como agentes secretos nos copos de água dos casamentos para que não receberam convite, faz por ser vista à entrada das igrejas, gesticula por um lugar na tribuna das manifestações culturais que são os desafios de futebol e lamenta não poder ser filmado ao lado do Sr José Mourinho quando o mesmo, sabiamente, se pronuncia sobre o estado da erva e a desordem da areia em que a mesma medra.
À semana o governo segue as orientações do Dr Barroso para, ao domingo, o professor Marcelo se sentar a despacho, nem sempre observando as recomendações dos pareceres que lhe submetem. Não está prevista a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a legitimidade que seja. Há dois dias o professor Marcelo, que é muito religioso e que vai sempre à missa antes de se sentar para despacho, oficiou empenhadamente uma cerimónia fúnebre, encomendando aos anjinhos um corpo ainda quente, mas inerte e vazio que apenas se mantém de pé à custa do betão e, à noite, à custa de luzes feéricas e de músicas ultrasónicas.
Como acontece nas paróquias de província, nem sempre os fiéis estão de acordo com o padre, embora lhes fraquejem as pernas de medo com o conteúdo das prédicas que lhe ouvem do púlpito abaixo. Alguns organizam-se, socorrem-se das criancinhas que ainda têm na escola, exigem que o bispo transfira o indesejado para um sítio próximo da raia. Porque até foi capaz de criticar o Sr presidente da junta, um homem tão bom, tão simpático e que dá sempre para todos os peditórios. Outros são mais afoitos, nem reunem tropas, insultam o padre, espalham o boato de que se embebeda todos os dias, de que come como um alarve, - sendo apenas um abade! - que não visita regularmente o lar de idosos e que anda metido, por debaixo da sotaina, com duas catequistas e uma rapariga que serve em sua casa. Às vezes referem mesmo os muitos filhos que tem e cuja paternidade não assume, escudando-se na história do celibato e da castidade.
É esta peixeirada que já para aí vai, na praça pública, à conta de umas eleições que estão a mais de dois anos. Com a particularidade dos intervenientes principais terem aprendido a ladaínha no mesmo seminário, ajudado à missa na mesma igreja de bairro e usarem batinas da mesma cambraia, em tons de laranja forte. Revelando em público os segredos que as carenciadas viúvas de véu negro que vão à confissão lhes confiaram em sussurro.E ainda dizem que somos um povo que não trata de nada com antecedência e que vai entregar a declaração do IRS no último dia do prazo. Decerto que o Dr Cunhal exclamaria: olhem que não, olhem que não!
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial